Um pequeno número de expressões correntes da língua portuguesa desapareceu desde há muito do vocabulário da grande maioria das crianças e jovens (e mesmo de alguns adultos…) deste país, a saber : “com licença”, “obrigado”, “se faz favor “ e “desculpe”.
Também não vale a pena ressuscitá-las, porque então somos olhados como se estivéssemos a falar uma qualquer estranhíssima língua estrangeira - e os resultados são nulos.
De facto, para quê esforçarmos as nossas cordas vocais a dizer “com licença”, se um empurrão pode fazer o mesmo? E “obrigado” porquê, se temos direito a tudo? E porquê “se faz favor” se todos nós sabemos que os outros não passam de nossos criados? E “desculpe” porquê, se o culpado é sempre o outro? Por isso acho uma certa graça quando as pessoas dizem que devia haver uma disciplina na escola onde estas coisas se ensinassem.
Por mim, estas coisas deviam aprender-se em casa, mas enfim, adiante.
Aqui há tempos, no último dia da Feira do Livro de Lisboa, algumas professoras, muito louvavelmente, levaram lá os seus alunos para contactarem com os livros e os escritores que lá estavam.
Todas as crianças querem um autógrafo, e atropelam-se e empurram-se até que eu, vendo que as professoras não metiam ordem naquilo, decidi pedir que, ao menos, os miúdos fizessem uma fila, explicando que uma fila é um a seguir ao outro, estão a ver?, cada um tem a sua vez, percebem? temos de respeitar quem chegou primeiro - enfim, estava numa de pedagogia acelerada.
E as crianças lá se iam convencendo - com certa dificuldade…- das virtudes da boa vizinhança.
É então que, estragando o meu trabalhinho, uma senhora professora sai da fila, passa à frente de todos eles e estende-me um livro para eu assinar, dizendo “assine-me aqui, que eu sou professora e não posso perder tempo”.
Ora nem mais. Nem ao menos “se faz favor”, nem “desculpe” a quem ficara para trás. E desapareceu pela feira abaixo
E fui eu que, numa voz meio sumida e envergonhada, disse aos miúdos “desculpem”.