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17 ABR 2023
OPINIÃO | "Atentado à Liberdade", por Anabela Ferreira
Por Jornal Abarca

Muito se fala do 25 de Abril, mas pouco se pratica do que este representa.

Chegando abril, fala-se da passada revolução, do antes e do depois e, seguidamente, como do tempo das nêsperas se tratasse, passa a época, o tempo, e voltamos aos velhos hábitos das pequenas ditaduras. Contudo, agora, a hipocrisia mascara a opressão de democracia que mais não é do que ditadura encapotada.

Em Portugal (será expansão dos do Entroncamento?) passam-se três fenómenos caricatos ao nível político: o primeiro é o jogo de ping-pong entre PS e PSD. Ora, agora, ganhas tu, e eu faço uma oposição cega, surda e muda, ora, agora, ganho eu e espero outro tanto de ti. O povo vai às urnas e vota. Se não votar, é apelidado de antidemocrata, demissionista, preguiçoso e outros louros. Se vota, não aprende a lição e volta a incorrer na ação do passado: atira a bola para uma das áreas do costume. Bem, a falar a verdade, quer do lado direito do campo, quer do lado esquerdo, a pobreza impera, logo…

O segundo fenómeno é a amnésia que assalta o cidadão português. Qual febre dos fenos que atinja sazonalmente, este esquecimento de que o português é assolado impede-o de recordar os desmandos deste e daquele partido e… lá vai a cruz ao Calvário… Mas não se julgue que o efeito destas águas do Letes termina aqui. Mal sai o resultado das urnas, e já cada português assegura pela saúde do vizinho que não votou “nos que lá estão”, logo, a incompetência ao colocar a dita cruz não foi sua, foi dos outros todos que, por sua vez, asseguram igualmente não ter votado nestes incompetentes, sejam eles quem forem.

O terceiro, as maiorias absolutas despertam pequenos ditadores.

As gerações do passado que viveram o 25 de Abril de 74, pingo a pingo, desparecem. As novas gerações só remota e vagamente conhecem o seu significado. Tive oportunidade de comprovar, com tristeza, mais uma vez, este facto há dias, quando, a propósito da escrita de um poema acerca do 25 de Abril introduzi o tema em turmas de 7.º ano de escolaridade. A Câmara Municipal do Entroncamento lançou, e bem, na minha opinião, um concurso acerca desta data, a fim de a assinalar. Nunca será demais recordar, pode ser que a inspiração ocorra.

Contudo, a frase “25 de Abril, sempre!” começa a ser irónica ou então há que alterar a pontuação passando a frase a interrogativa. À pergunta “Professora, mas agora vivemos em democracia?” tive que responder “Vivemos numa democracia mais ou menos…” Entristece-me ter de dar esta resposta. Primeiro, porque ao explicar, de alguma forma, quebro as ilusões de um jovem. Não obstante, iludi-lo seria ainda pior e o obscurantismo é o pai de toda a ignorância e ditadura. Amiúde recordo que um indivíduo que não lê, não reflete e não se sabe expressar é manipulável e isso interessa muito a quem o pretende fazer e reinar sem oposição e sem controlo a fim de praticar tudo o que lhe apetece sem crítica, numa sociedade entorpecida, dormente e sem poder.

Em segundo lugar, porque falando assim do meu país, não há pena que me não venha, parodiando o Poeta (“Perdigão perdeu a pena/Não há mal que lhe não venha”).

O país está assolado por greves em vários setores de base: saúde, educação, transportes, justiça… Como tufões surgem, causam estragos e passam. Também estes costumam ser sazonais… Contudo, presentemente, dada a inércia do poder que, no exterior, se vangloria de “progressos consideráveis” nas negociações quando, de facto, apenas se empurra com a barriga os inúmeros problemas e se finge dialogar. Vergonha! Camufla-se a insatisfação reinante com comentadores que nem sabem ler um parecer de oitenta e tais páginas de um Tribunal Arbitral (até este parecer é estranho…), com um jornalismo frequentemente dirigido e com uma justiça que faz o fato à medida do cliente.

Vamos esclarecer: cada trabalhador tem direito à greve, este protesto não é só o meu direito, é um direito de todos e os serviços mínimos são determinados por um colégio arbitral que fixa igualmente os meios necessários para os assegurar. Mas “serviços mínimos” são os indispensáveis para a satisfação das necessidades sociais fundamentais e os necessários para a segurança e manutenção de equipamentos e instalações. Entende-se que, na saúde, só e apenas os serviços que ponham em risco a vida dos indivíduos possam ser considerados mínimos, sobrepondo-se, assim, ao direito do funcionário da área da saúde de fazer greve. Repito: se e quando a vida do indivíduo estiver em risco. Constitui, portanto, exceção. Nestes tristes dias, desde a educação aos transportes, aparentemente, tudo é exceção. A título exemplificativo, um docente que lecione, em média, 5 tempos letivos diários e que possua a restante carga horária como não letiva, ao ser obrigado, caso pretenda fazer greve, a cumprir os 3 primeiros tempos letivos, fica impedido de fazer greve a mais de metade da carga letiva, ou seja, maioritariamente, só poderá fazer greve aos serviços que não causam impacto e que, em última análise, só o prejudicarão a si próprio, pois são serviços que “têm de aparecer feitos”. No fundo, falta a dois tempos letivos e desconta um dia de trabalho. Foi-se o impacto que qualquer greve visa.

Brincamos, este mês, aos cravos vermelhos. Não se esqueçam do que significou esta mudança e de que fomos um povo pacífico até na revolução que soube colocar flores de onde sairiam balas. Mas a sociedade está a mudar. A classe docente também está a acordar e com novas formas de luta que só conseguem combater com batotas desavergonhadas e atentados aos direitos consagrados do cidadão.

Os muros e os portões de algumas casas são altos, mas as multidões famintas e injustiçadas ganham força que não se detém com a lei e a ordem. Uma vez iniciado um processo, nunca se sabe como poderá terminar, se com flores, se com balas. Neste caso, perdemos todos.

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