Queixamo-nos muito das nossas dores. Não há povo como o nosso para se queixar. O preço dos combustíveis aumenta e queixamo-nos; mal se pode respirar num supermercado sem pagar um imposto qualquer e queixamo-nos; os escândalos entre políticos e homens de fé são um mal crónico e, sim, queixamo-nos. Somos assim até com a nossa saúde: queixamo-nos, mas ir ao médico dá trabalho.
Miguel Torga sintetizou esta nossa forma de ser: “É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados”. Torga morreu há 28 anos, mas continuamos iguais.
Na minha irrelevante intervenção cívica consegui reter algo extremamente importante e perigoso: as pessoas têm medo. E o maior medo, o pior de todos, é a auto-censura. Não protestam porque têm algo a perder: o emprego, uma oportunidade no futuro ou receio de represálias contra parentes. Esquecemo-nos, enquanto vivemos com medo, do mais importante: não estamos a viver.
No último ano e meio, sensivelmente, o nosso nível de vida foi drasticamente reduzido. Vemos isso numa ida ao supermercado ou ao posto de combustível, e nem pense em propor à minha geração que se faça à vida para comprar casa. Não dá.
Como é que se pede a um casal de jovens que, juntos, trazem para casa menos de dois mil euros mensais, muitas vezes a trabalhar a recibos verdes, para terem filhos e comprarem casa? É, mais do que irresponsável, criminoso o que se está a fazer a esta geração. Portugal vai pagar caro.
Vamos sorrindo quando nos caem “apoios extraordinários” na conta. E alguns dizem que “podia ser pior” como se não tivéssemos motivos para exigir mais. Poder, podia. Mas o estranho é termos chegado a 2023 conformados com este triste fado.
Em França, o Presidente Macron teve a infeliz ideia de passar a idade da reforma dos 62 para os 64 anos e o país saiu à rua. Em Portugal já passa dos 66 anos mas continuamos a festejar golos contra o Liechtenstein e o Luxemburgo. O irrespirável clima social teve tradução numa paralisação da capital, Paris.
Não quero com isto dizer que sou favorável à criação de climas violentos para fazer valer os nossos direitos. Mas, às vezes, é necessário. A história diz-nos isso. Por cá, continuamos uns românticos. Cito Humphrey Bogart para alimentar a alma da nossa “colectividade pacífica de revoltados”: “Teremos sempre Paris”.