Pode parecer curiosidade de almanaque, um pouco mórbida até. Que importância tem a proximidade de calendário entre as datas de nascimento e de óbito de alguém? À primeira vista, nenhuma. Só que somos formigas muito curiosas, ficamos logo de antenas no ar, mal se ouve o desfolhar de calendários, datas e coincidências. “Oficialmente” não se liga, nem se acredita – uma pulga num microscópio parece um brontossauro, tudo invenção de marketing histórico; embrulhada em rebuçado de “fábula”. A verdade, é que acontece - quando menos se espera, aí está mais uma sobreposição dos carris de entrada e saída na vida de alguém que Deus já lá tem, cidadão terráqueo consagrado, nós próprios decidimos a coroa de louros. E temos que engolir em seco com o paradoxo - sabe-se que as folhas deste tipo de calendário são carruagens que só levam ossos e cinzas, mas são caveiras e esqueletos ainda ciosos dos sortilégios que guardam a 7 chaves. E o desafio continua quando as datas do entra e sai não sendo exatas, ficam na ficha do bem provável, do “quase” certo. É indesmentível: tanto Erasmo de Roterdão, Damião de Goes, Thomas Mann, como Malrauxe Agostinho da Silvao notaram também. O que não admira - todos foram únicos “arquivistas universais”.
Pensando bem, a idade nada mais é senão uma lua feita à nossa imagem e maior semelhança, ovalada num apogeu e hipogeu da translação em que a Terra nos dá boleia. Boleia que se aproveita enquanto conseguimos cumprir com a força da gravidade. Com tarifa horária. Porque será numa determinada hora que o esqueleto vai entrar em bulimia, vai diluir-se a nossa gravidade, vai desagrega-se a nossa órbita e mergulhar lá por fora, na curva onde se diz que espaço e tempo se fundem. Se assim for, gostei muito deste bocadinho,vamos é ver a que distância fica este dia em que quinei, relativamente ao dia em que, nos bons tempos, me apagavam as velas e recebia parabéns. Feitas as contas, o preto no branco mostra, entre alguma surpresa e resignação, que as imagens que emergem do passado podem deslizar por 3 tipos especiais de arquivo: (1) quem morre na mesma data de dia e mês em que nasceu (Aniversários Perfeitosou Totais); (2) quem morre nas vésperas do aniversário; e (3) quem morre logo após somar mais 1 na lista da idade (Aniversários Quase-Perfeitosou Parciais). Mas nos dois últimos casos, como definem os analistas de sistema que dominam a cena, num período que nunca pode exceder 15 dias (seja antes ou após a data de aniversário).
E quem meta o nariz no baú, se tem que primeiro fazer as honras ao seu quintal, vai ter que alongar os binóculos para lá das cancelas dos vizinhos – afinal todos têm a sua “lua” e algumas delas brilharam mais que as nossas. Neste caso, águas passadas movem moinhos - quando se procuram biografados de todos os tempos, os de outras latitudes são tão universais que a própria latitude é irrelevante. E quando duas ou mais figuras desaparecem ao mesmo tempo (Shakespearee Cervantes, em 23 de Abril de 1616; Ingmar Bergmane Michelangelo Antonioni,em30 de Julho de 2007, por exemplo), embora pouco tivessem a ver uma com a outra, a surpresa da coincidência só renova o interesse e a sua ponta de fascínio. Mas há mais: com as tecnologias de recolha e gestão de dados transportadas para fórmulas matemáticas no cálculo de probabilidades, mais as coincidências imitam cogumelos, brotam, multiplicam-se onde menos se espera. Veja-se a área da vida literária, da pintura, arquitetura, arte em geral, política, militar e científica. E claro no núcleo restrito de Família ao longo dos tempos, o fenómeno desdobra-se na frequência com que certos eventos ocorrem no desfile de gerações; como datas de acontecimentos distintos se repetem; como pessoas falecem com a mesma idade, etc. No final dos anos 70 do século passado, apareceram estudos e análises mais profundas, a que chamam Síndrome ouParadoxo de Aniversário, com equações em função de múltiplos fatores. Conta por exemplo, com a Depressão de Aniversárioem função do fenómeno tão comum dos nossos dias, de assistir ao alargar de vida de cada vez mais pessoas, graças aos sucessos da medicina; mas em que os próprios idosos (e famílias) não estão preparados, não sabem o que fazer, não aguentam tanta rotina de “morrer sim, mas muito mais devagar”, veem aproximar-se a data sem entusiasmo e até com algum fatalismo (birthday blues).Daí a pesquisar datas pelos ramos da árvore de antepassados e agregados familiares é um pulo - a tensão social e económica que distribui pela mesma família, crises cardíacas e cardiovasculares numa mesma fase do ano e por aí vai. Em suma, os dados de 2009-2014 mostram a coincidência total ou parcial entre datas de nascimento e de óbitos ocorrer em cerca de 15% da globalidade de sexagenários (ou mais idosos): de pessoas com mais de 40 anos filhos de pais divorciados; de profissões sujeitas a grande tensão (os performing artists,atores, cantores, músicos; quem está ligado ao show business; acrescidos de controladores de tráfego aéreo; corretores de bolsas; operadores de centrais químicas, etc.). As percentagens de um “Aniversário Perfeito”são elucidativas – da origem clássica de apenas 1 para 365.25%,está curiosamente a aumentar - em 2020 eram 3.2 para 365.25%.Poderá valer oque vale, mas querem exemplos? Só de passagem: ANIVERSÁRIOS PERFEITOS: RafaelouRafael Zanzio, o grande pintor italiano do Renascimento, 6 de Abril de 1483- 6 de Abril de 1520;João de Deus,religioso, santo, nasce em Montemor-o-Novo, 8 de Março de 1495- Granada, 8 de Março de 1550;Cardeal-Rei D. Henrique (“o Casto”),17º rei de Portugal e oúltimo da Dinastia de Avis,Lisboa, 31 de Janeirode 1512- Almeirim, 31 de Janeiro de 1580;Padre Manuel da Nóbregajesuíta, fundador da cidadede São Paulo, Brasil, Sanfins do Douro, 18 de Outubro de 1517- Rio de Janeiro, 18 de Outubro de1570;William Shakespeare, o maior poeta e dramaturgo de língua inglesa, Stratford-upon-Avon, a 23 de Abril de 1564- 23 de Abrilde 1616; Gago Coutinho, almirante, aviador, pioneiro da 1ª Viagem Aérea do Atlântico Sul,Lisboa, 17 de Fevereiro de 1869- 17 de Fevereiro de 1959; Afonso Lopes Vieira, escritor, poeta, Leiria, 26 de Janeiro de 1878- Lisboa, 26de Janeiro de 1946; e Florbela Espanca,poetisa, escritora,Vila Viçosa, 8 de Dezembrode 1894- Matosinhos, 8 de Dezembrode 1930. ANIVERSÁRIOS IMPERFEITOS- Alguns que morreram 1 ou 8 dias antes da data de aniversário (ex. Damião de Goes,D. Beatriz de Portugal, D. João III, Marquês de Pombal, Domingos Sequeira, José Niza, Azeredo Perdigão, etc,) ou morreram pouco depois da data de aniversário (Rainha D. Estefânia, Ernest Korrodi, Júlio Dantas, Jorge Sampaio, Carlos do Carmo, etc.), Em resumo, os números já nem surpreendem, deixam até alguma ironia. A ironia de ser vício - no engodo de acertar horas de autoconsumo, confesso que engordei umas boas centenas de casos, vá lá acreditar em mim próprio.
Mas é ironia com direito a sorriso. Pascal foi muito feliz quando o escreveu: “Le dernier sourire est toujours ce qui reste gravé dans la mémoire. De ceux qui voient mourir et de ceux qui se sentent mourir”.Volontiers, maître, volontiers.
PS – Saindo desta catarata um tanto pesada de números, querem conhecer “ao vivo”, 2 casos de Aniversários Perfeitos? Têm uma versão simpática e romântica –“MEET JOE BLACK” (CONHECEM JOE BLACK?),1998, com Anthony Hopkins e Brad Pitt. E a outra, muito além de genial, janela aberta num beira-mar pedregoso, entre lances de xadrez com a morte em pessoa, “O 7ª SELO”,1957, de Ingmar Bergman, com Max von Sydow.
Aviso: este “Selo” não é para qualquer envelope. Se já viram, sabem do que falo. Se não viram, pensem duas vezes e mudem para a TVI.