O Sudão repetiu a sua história trágica; quatro anos após a deposição do regime de Omar al-Bashir o país voltou novamente a sucumbir à violência entre fações rivais. Desta vez, os confrontos deram-se entre dois generais, outrora aliados na deposição do regime de Omar al-Bashir: o comandante das Forças Armadas Sudanesas, general al-Burhan e o comandante das Forças de Apoio Rápido, general Mohamed Hamdan Dagalo, que controla as minas de ouro do país e conseguiu toar a capital de assalto.
Apesar do conflito entre os dois estar associado à disputa pelo controlo das futuras forças armadas sudanesas, a teia de interesses regionais e até mesmo internacionais envolvidos na questão sudanesa faz com que este conflito não se trate apenas de mais uma guerra interna, entre natas que já flagelaram o país.
A norte, o Egito é um país tradicionalmente com interesses securitários no Sudão. E isso é bem visível pela presença de aviões de combate egípcios na capital sudanesa. As preocupações egípcias adensam-se neste conflito considerando que o general Dagalo, que comanda a forças rebeldes, possuí fortes laços com a Etiópia, um país com quem o Egito está em rota de colisão devido à construção da barragem na Etiópia, que irá controlar os caudais do rio Nilo.
Os Emirados Árabes Unidos são também outro actor regional importante, já que é o principal comprador das exportações de ouro sudanês. E com a produção de ouro controlada pelo exército rebelde, os Emirados arriscam-se a continuar a financiar um conflito que se afigura devastador.
A Arábia Saudita também tem um papel importante a desempenhar. Já mediou a paz em conflitos anteriores no país e, mais recentemente, incorporou dezenas de milhares de soldados sudaneses, das forças paramilitares rebeldes, na coligação regional que liderou no combate aos rebeldes Houthi, no Yémen.
Israel, por sua vez, regularizou as relações diplomáticas com o Sudão em 2020 e, portanto, fica a dúvida quanto à evolução desta normalização das relações políticas num cenário de alteração do status político interno no Sudão.
Por fim, temos a Rússia, com a ambição de estabelecer uma base naval militar na costa norte sudanesa do Mar Vermelho, o que daria aos meios militares russos acesso direto ao Canal do Suez e a uma das rotas marítimas mais importantes do mundo. Além disso, temos o grupo Wagner, um exército privado russo de mercenários que, para além do destaque que têm tido na guerra com a Ucrânia, estão activamente presentes no Sudão. Sabe-se que este grupo recebeu recentemente autorizações para explorar algumas minas de ouro no Sudão e que poderá ser contratado pelo governo para combater os rebeldes. Contudo, suspeita-se que o grupo Wagner está, secretamente, a armar os rebeldes com armas russas. E, considerando que o grupo Wagner tem liações directas a Vladimir Putin, é possível que Moscovo esteja fortemente associada ao desenrolar dos acontecimentos no Sudão.