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19 JUN 2023
OPINIÃO | "O homem da garrafa de plástico", por António Matias Coelho
Por Jornal Abarca

Numa das retas sem fim da estrada que sai de Ouarzazate para sueste, a caminho do deserto marroquino, estava um carro parado na borda da estrada. Junto a ele uns três ou quatro homens, um dos quais, à nossa aproximação, começou a esbracejar, como em desespero, acenando com uma garrafa de plástico vazia. Parei poucos metros adiante e o homem, vestindo a tradicional djellaba do pescoço até aos pés e na cabeça um turbante, em tom de azul muito forte, abriu um grande sorriso, como quem se está a ver salvo de apertos, e questionou-me: Tem um pouco de óleo para motor? Óleo, estranhei eu, pensava que precisasse de água, foi por isso que parei… Não, do que preciso é de óleo, o carro é alugado, avariou, precisa de óleo para voltar a andar. Pois óleo não tenho, lamento, e ia fechar o vidro para seguir viagem. Então leve-me, por favor, até à próxima aldeia para arranjar o óleo de que preciso. Ainda hesitei, porque há muitas histórias que se contam, mas dei afinal a resposta desejada: Entre!

Sentado no banco de trás da autocaravana, o homem mostrou-se um simpático conversador, falando, num francês muito fluente, do azar que acabava de ter, das caraterísticas do território, da história da região, da vida do povo, de uma infinidade de assuntos. E onde é a próxima aldeia, quis eu saber. Daqui a uns quarenta minutos, respondeu o homem. Havia, portanto, muita estrada para a conversa ir correndo.

E para onde vão, questionou a certa altura. Para o deserto, queremos passear nele de camelo, passar lá a noite, ver o nascer do sol. E já têm marcação? Não, senhor. Mas devem ter, não é prudente chegarem lá abaixo sem nada garantido. O senhor faz ideia de quanto custa uma noite no deserto, perguntei. O meu trabalho é outro, mon ami, colaboro com uma associação de apoio a viúvas e divorciadas: não têm homem e precisam de recursos para viver. Eu arranjo-lhes trabalhos de artesanato que elas fazem e eu depois vendo, sendo a maior parte do dinheiro para elas. Mas tenho amigos no deserto, como se fossem família, que vos podem acolher. Se quiser, na aldeia para onde vamos podemos parar no meu estabelecimento: tenho muito gosto em oferecer-vos um chá e de os pôr a falar com alguém que sabe dessas coisas.

Assim foi. No dito estabelecimento, outro homem nos recebeu enquanto o do turbante servia o chá e, ao cabo do indispensável regateio – em que os dois participaram –, estava o serviço reservado por 1500 dirhams (uns 140 euros) para duas pessoas, tout compris. Daí a pouco rolávamos de novo na estrada, a caminho do deserto, agora sem a companhia do homem do turbante. Nunca mais o ouvimos falar em óleo para o carro. E nunca percebi onde diabo terá ele metido a garrafa de plástico.

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