Chegou o momento pelo qual ninguém ansiava em muitos países em África, na América Latina e Ásia. Países que decidiram aderir ao mega projecto chinês que pretende criar uma nova rota da seda global, por mar e terra, estão agora a ser pressionados pelo governo chinês para pagarem as suas dívidas.
Países como o Sri Lanka, a Zâmbia, o Quénia, Paquistão, Mongólia ou Laos contraíram dívidas enormes junto de bancos chineses para conseguirem garantir a construção das infraestruturas necessárias para o projecto, como portos marítimos, caminhos de ferro ou auto-estradas. Estes empréstimos representam uma enorme carga financeira para a tesouraria destes países e, em resultado disso, alguns, como a Zâmbia e o Sri Lanka, já entraram em incumprimento no ano passado. O cerco em torno do pagamento da dívida está cada vez mais apertado.
No Quénia, por exemplo, o governo deixou de pagar aos funcionários públicos para conseguir pagar os empréstimos e, no Paquistão, milhares de trabalhadores do setor têxtil foram colocados em lay-off para poupar dinheiro ao Estado na importação de matérias-primas energéticas. Esta é uma situação extrema que deriva da natureza dos contratos e das exigências chinesas. Em situações normais, os grandes países credores, como os EUA, o Japão ou os países europeus, negoceiam com os países em dificuldade um relaxamento nas condições de pagamento ou, inclusive, um perdão de parte da dívida. Contudo, isso não tem acontecido porque estes países não conhecem as condições dos empréstimos.
O governo chinês, devido às cláusulas de confidencialidade associadas aos contratos, impede que os países em dificuldade revelem as condições de pagamento. Além disso, Pequim, num momento em que o seu sistema bancário atravessa dificuldades, não está a permitir qualquer renegociação das dívidas. E, isso tem consequências. O pagamento da dívida e dos juros está a exaurir as parcas reservas de moeda estrangeira que estes países possuem, em particular dólares; reservas estas que os governos usam para garantir a importação de produtos alimentares e energéticos e manter os serviços públicos mínimos em funcionamento.
Num contexto tão penoso, a situação socioeconómica destes países está cada vez mais delicada. Em alguns países, como a Zâmbia ou o Sri Lanka, a inflação supera já os 50% e o desemprego assume dimensões catastróficas. No Paquistão, sempre à beira de um golpe de Estado, as movimentações dos militares são cada vez mais palpáveis. Num contexto destes, é difícil sequer imaginar a luz ao fundo do túnel para estes países e para as suas populações. A armadilha da dívida, especialmente para os países mais pobres, é quase impossível de superar. Mas, no fim de contas, talvez seja essa a intenção chinesa.