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21 OCT 2024
OPINIÃO | "O cozido maragato que se come «al revés»"
Por Jornal Abarca

Na província de León, no norte de Espanha, há um território com características socioculturais muito próprias conhecido por Maragateria. O centro económico e político da terra dos maragatos é a cidade de Astorga, a Asturica Augusta que os Romanos aqui fundaram para explorar o ouro que abundava por essas encostas e de cuja mineração ainda hoje subsistem abundantes vestígios.

Lugar estratégico no cruzamento da via romana que dos Pirenéus seguia para a Galiza com a que de Sevilha e Mérida, no sul, se dirigia às Astúrias, mais tarde em boa parte convertidas no Caminho Francês de Santiago e na Via da Prata, sempre a Maragateria foi sítio de passagem e de ligação. Aliás, admite-se que tenha sido disso mesmo que lhe veio o nome. Durante vários séculos e até à introdução do caminho de ferro, em 1866, muitos habitantes destas terras dedicavam-se ao transporte terrestre de mercadorias, em especial de peixe salgado que da costa galega faziam seguir para Madrid, cujos habitantes são tradicionalmente conhecidos por «los gatos». Como levavam o pescado «do mar aos gatos», se lhes terá chamado «maragatos» e Maragateria à região a que pertenciam.

Uma das vilas destes almocreves maragatos é Castrillo de los Polvazares, a meia dúzia de quilómetros de Astorga. Cresceu e enriqueceu com a prosperidade dos homens do transporte que nela construíram imponentes casas de xisto, capazes de ombrear e em alguns casos de superar as dos grandes proprietários e lavradores. Foi sede de um antigo município que em 1975, por vontade própria, se integrou no da vizinha Astorga. A vila hoje tem pouca gente, mas bastantes visitantes, atraídos pela beleza das suas casas e pela curiosidade das suas tradições. Graças a um recente programa de recuperação do património, Castrillo de los Polvazares apresenta-se agora – e disso justamente se orgulha – como Conjunto Histórico-Artístico de Alto Valor Monumental. Todas as construções estão reabilitadas ou, no mínimo, arranjadas na fachada e nos muros, dando ao conjunto um aspeto de grande harmonia, há brasões de família em muitas delas, as ruas estão empedradas a preceito e abundam as flores a receber os que chegam.

Nos restaurantes, que são vários e estão sempre cheios, serve-se o famoso cozido maragato. É composto de três partes: sopa, legumes e carne. São servidas em separado e, como dizem os espanhóis, «al revés», ou seja, ao contrário do que em geral se faz: primeiro as carnes (abundantes e variadas, de porco, de vaca, de galinha), depois o que para nós seria o acompanhamento (repolho, grão, batata) e, por fim, a sopa. Diz-se que este costume de inverter a ordem dos ingredientes tem a ver com a vida dos arrieiros que, seguindo de terra em terra, levavam consigo uma lancheira com bocados de carne cozinhada que comiam quando lhes vinha a fome e só depois, chegando a alguma povoação, mandavam vir mais alguma coisa, incluindo a inevitável sopa. Também há quem diga que terá sido por causa das invasões francesas que fustigaram a região e levaram a que os maragatos, receosos de que o inimigo lhes assaltasse a salgadeira e lhes levasse o conduto, passaram a comer antes de mais a carne, deixando para depois os «garbanzos» e o caldo.

Seja qual seja a origem da tradição, que nisto das lendas nunca se sabe, há uma coisa que é certa e ninguém que o prove irá desmentir: um cozido maragato, que é muito mais do que bom, faz logo de almoço e de jantar. E deixa-nos uma agradável memória de uma terra de fartura, na tradição, no património e na mesa que nos apresenta.

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