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01 AGO 2008
AS ÚLTIMAS TABERNAS DE ABRANTES
Por FERNANDA MENDES

 

Hoje, as tabernas já não são um espaço masculino. Nelas, cruzam-se diferentes perfis sociais de pessoas. Muitas modernizaram-se, outras acabaram por encerrar por incapacidade de resposta às regras do capitalismo moderno.

 

As portas das tabernas mantêm as características físicas de sempre. Muitas foram recuperadas, outras estão tão velhas e usadas quanto os anos que têm. Mudaram as técnicas de segurança e as portas são fechadas, ao fim da noite, a cadeado ou com um moderno sistema de alarme.

Os velhos taberneiros deram lugar a gente mais jovem, que já não fia a quem lá entra. Em Abrantes, na tasca do Galego (no Alto de Santo António), Joaquim Teodoro é o taberneiro de serviço. Mal entrado na reforma, depois de um par de anos como funcionário público e bombeiro, recusou-se a estar parado e procurou um novo desafio. Fez um contrato de dois anos com o proprietário da taberna, tencionando cumpri-lo e, talvez, renová-lo: “quem tem um negócio destes não pode pensar em enriquecer. Isto dá para os gastos e para estar entretido.”

De segunda a sábado, porque a tradição já não é o que era e as tascas agora encerram ao domingo para descanso do pessoal, às oito da manhã, Joaquim Teodoro prepara-se para servir o pequeno-almoço aos clientes do costume. Sandes de presunto, queijo ou fiambre têm clientes sempre certos. Petiscos, uma das marcas destas casas, não serve: “às vezes acontece o cliente trazer para um convívio de amigos.”

Na taberna, o balcão serve de poiso de bebida e de encosto de conversa. E dali nos espreitam as medidas padrão (obrigatórias), que servem para vender vinho avulso.

A casa, com 30 metros quadrados, chão de mosaico, tecto de madeira pintada, uma janela que dá para a rua e se abre para a luz do dia, não tem copa e acolhe apenas duas mesas e meia dúzia de cadeiras onde apetece uma partida de bisca lambida. “Aqui não se joga às cartas, isso era antigamente”, esclarece Joaquim Teodoro. Em cima do balcão há uma vitrina com bolos de pastelaria e boiões com pastilhas e chupa-chupas. Os tempos são outros.
Por detrás do balcão há outras marcas das tabernas de antigamente: os copos de vidro onde se serve o vinho: “o preço do vinho varia consoante a medida do copo – 30, 35 ou 40 cêntimos.” A conversa é interrompida pelo primeiro cliente da tarde: “posso tirar uma?”. Uma cerveja, entenda-se. Aquela que rivaliza com o vinho. Enquanto abre a tampa da cerveja, Joaquim Teodoro confirma que o que mais vende é o vinho, a cerveja e o café.

Com pouco mais de 40 anos, Adérito Chelas é cliente habitual da tasca do Galego. Mais adepto dos cafés modernos, vai à tasca para beber umas minis, ouvir e participar nas conversas: “ Gosto especialmente de conversar com a velha guarda – os homens de mais idade -, é um ambiente especial e diferente, que cada vez se encontra menos nos cafés.”

Mudam-se os tempos, mas há coisas que nunca mudam. A taberna proporciona laços sociais de amizade, local onde novos e velhos põem a conversa em dia. É um encontro sem agendamento prévio, entre o trabalho e a família, a refeição ou o final do dia. Quando abordado sobre a temática, Adérito coloca um sorriso discreto, mas sempre vai confirmando que é na tasca que é julgada a sociedade e criticada a política. Mas há mais: “diz-se do pior e do melhor sobre as mulheres e os treinadores de bancada comentam o futebol.”

Mais uma pausa na conversa para o cumprimento ao segundo cliente da tarde: “pessoal de trabalho”, diz quem entra. “Então Eduardo, o que é que vai?”, Joaquim Teodoro deita a mão à arca das bebidas. Mais um homem. Mas, desenganem-se os que pensam que as tabernas continuam a ser locais masculinos e de uma só classe. O taberneiro confirma: “aqui entra todo o tipo de pessoas: senhoras; jovens; médicos; professores.”

Os jovens entram para conviverem. Bebem sumos. Os mais velhos optam pela cerveja, mas Joaquim não lhes permite excessos: “costumam estar na paródia e não se demoram mais do que uma hora.”

Cada tasca tem uma história que a História não conta em livro ou em dissertação. A taberna do Galego também tem uma história associada. Atravessou gerações de famílias e acabou por ser arrendada a quem da história só lhe conhece um alvará passado no início do século, em 1930. Joaquim Teodoro mostra o documento amarelado, já rasgado, mas intacto: “o primeiro proprietário pagou 40 escudos pelo alvará.”

 

Ainda há lugar para as Tabernas?

 

Há tascas que resistem. Muitas transformaram-se em cafés ou casas de pasto. A sociedade contemporânea roubou-lhes a alma. As modernas televisões substituíram os velhos rádios que difundiam o relato de futebol. Mesmo as que resistem têm marcas do contemporâneo, quanto mais não seja pela presença da máquina do café e da televisão.

Se as tascas hão-de resistir, não se sabe, não se adivinha. Pela vontade de Joaquim Teodoro, as tabernas deviam ser o que eram. No entanto, reconhece que as exigências sanitárias são muitas e que os proprietários não têm condições financeiras para responder às exigências.

Adérito Chelas recorre à memória ainda fresca de quem ainda se recorda das muitas tabernas existentes na cidade de Abrantes: “Acho que as tabernas deviam ser preservadas. Uma taberna é sempre um local típico.”
As tabernas podem fechar as portas em definitivo ou mudar de aspecto, mas o espírito destes locais colectivos continuará a ser um símbolo social do país.

 

As tabernas de Abrantes foram revisitadas na edição de Novembro de 2007 pela revista “Zahara”. Num artigo de pesquisa assinado por Eduardo Campos e Carlos Vieira Dias, conta-se que em Abrantes “há referências antigas a este tipo de casas, registadas pela toponímia, tais como a Rua das Estalagens ou Rua das Estalagens Velhas, topónimos que datam, pelo menos do século XVI”, mas explica-se que pouco ou nada se sabe sobre o seu funcionamento.

O artigo refere que em meados do século XIX existiam bastantes tabernas e botequins.

Algumas delas funcionaram, em determinadas alturas, como autênticos focos de resistência contra certas medidas político-sanitárias tomadas pela Câmara Municipal de então. A revista recupera como exemplo o sucedido em Janeiro de 1860: a propósito de uma certa postura municipal, tendo então eclodido um motim popular. “Uma das medidas imediatamente tomadas pela Câmara Municipal foi mandar encerrar todas as tabernas. A esta medida, opuseram-se firmemente os taberneiros e os clientes.

Durante todo o dia (1 de Janeiro de 1860) estes locais foram focos de resistência tumultuária e só à noite, a grande custo, a Câmara Municipal consegue restabelecer a ordem pública e fazer executar as suas ordens.”

Com base nesse artigo de investigação fica-se a saber que no século XX, os cafés em Abrantes passaram a ter uma designação original: chamavam-se bilhares. Não deixa de ser curioso, que ainda hoje um dos cafés com mais anos, localizado no centro histórico, ainda seja conhecido pelo café do bilhar.

Um artigo publicado no Jornal de Abrantes de 14 de Novembro de 1900, conta que em algumas povoações rurais do concelho, as tabernas fechavam altas horas da noite, “entretendo-se nelas a jogar os trabalhadores locais, com grande prejuízo da bolsa e sossego do lar.” 

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