À hora desta entrevista, no dia 25 de Abril, há 35 anos, os militares já se encaminhavam para a capital. Paulo Passos, músico e designer, nasceu dois meses antes da Revolução e foi baptizado no dia da queda da ditadura Salazarista.
A conversa decorreu num bar, em Vila Nova da Barquinha, com o número 21 na porta, que é museu, história e, acima de tudo, memória. E Adriano Correia de Oliveira a percorrer o espaço.
Na música, depois dos “The Doll and the Puppets” (TDP), tens mais algum projecto?
Estou na banda “The Scart”, um projecto que partilho com mais quatro músicos – a Raquel, o Nuno Eurico, a Mariana de Abrantes e o Mega (ex-membro dos TDP) de Torres Novas. Depois do sucesso dos TDP, este novo projecto está a correr bem. Estivemos em Corroios, num Festival de Música e foi surpreendentemente bom, tendo em conta a inexperiência em palco de alguns dos elementos
O que significou para ti os TDP?
Foi… rejuvenescedor, o renascer da música na minha vida, enquanto executante. Uma reunião de amigos que a vida afastou. Eram três pessoas fantásticas e foi muito bom. Em acréscimo tivemos boas críticas, nomeadamente da RUC (Rádio Universidade de Coimbra) e uma excelente participação no Festival de Corroios. Em 2007, bati o meu recorde: tocámos sete vezes num mês… Senti-me com sucesso no meio musical! (risos)
Mas a música é apenas uma das tuas facetas. Quais são as outras?
Faço parte de um projecto chamado “Vagão d’ Ideias” que no fundo é um grupo de amigos que faz museus. Temos projectos para todo o país e, actualmente, tenho em mãos trabalhos em São Jorge, nos Açores, e em Tondela (Museu do Território). Colaboro, também, na publicação “Papel de Parede” (Ordem dos Arquitectos, Núcleo do Médio Tejo) cujo subtítulo é “Objecto Urbano em espaço rural”. É bom fazer coisas urbanas em espaço rural. Por isso é que fiquei por cá…
Também fazes parte da Assembleia Municipal de V. N. da Barquinha…
…No fundo estou ligado à Barquinha, à política local, mas como independente. Sou acima de tudo apoiante das pessoas que gostam da Barquinha!
Como é que analisas o desenvolvimento da região?
Em primeiro lugar, houve o nascimento do “novo rio”, a A23. Há melhores acessibilidades, mais facilidade em visitar a região, bem como permite aos locais saírem e visitarem também outros lugares. Notei um aumento do tecido industrial, nos serviços disponíveis e as cidades médias cresceram exponencialmente.
E em termos culturais e artísticos?
Nisso continuamos a ser da “terra”, mas sem darmos importância ao que é da “terra”. O artesanato tende a morrer, continua a faltar uma escola de artes e artifícios na região, o que é fundamental. Por outro lado, há o futuro Mercado das Artes que pode atrair visitantes e a lógica é a de que será sempre bom para as pessoas da terra. Só acho que já há alguns anos se fala nos últimos cesteiros, homens do barro, o último calafate… É preocupante falar-se nisso e os poderes nada fazerem para o recuperar, quando são essas coisas que nos distinguem em termos de identidade. É necessário termos pessoas qualificadas a dirigir os centros culturais, galerias, teatros… Não é que não as haja, mas precisam de “sair”, de visitar outros centros, coisas novas. Tal como eu vou a Lisboa e ao Porto ver exposições e beber novas sensibilidades eles também se deslocam à província para recolher novas ideias. Deve haver uma circulação pelos diferentes meios culturais. Há excesso de um certo tipo de urbanismo nas pessoas das cidades médias. Não saem, porque ali é que está bem feito.
É um comportamento excessivamente urbano no meio rural?
Chateia-me, por vezes, o lado urbano no meio rural, a vida urbana que as pessoas levam. Creio que devemos ser urbanos nas coisas positivas do conceito mas, por outro lado, irrita-me ver pessoas daqui a frequentarem ginásios, quando existe um espaço livre excelente onde podem saltar, correr e fazer o que não se pode fazer nas grandes cidades. Esse é o lado defeituoso do ser urbano: casa, trabalho. E estamos sempre fechados quando temos um espaço aberto enorme.
Qual é, então, a tua postura enquanto cidadão?
Pouco estou em casa, vejo pouca televisão. Ainda não estou totalmente formatado como “eles” querem. As pessoas são formatadas, só falam de crise, crise, crise, mas a maior crise é consumirmos cada vez mais, coisas estúpidas. A minha postura é estar com as pessoas, frequentar a “rua”. Costumo dizer que não conheço ninguém que tenha ficado na história por ter passado a vida sentado no sofá em frente à televisão… e o que faz os bons lugares são as pessoas.
Cada vez se critica mais que as agendas culturais e desportivas dependam, quase exclusivamente, das câmaras municipais. Qual é a tua visão sobre esta situação?
As pessoas estão sempre à espera que as câmaras façam alguma coisa e isso é um problema, para além de ser ridículo. É das piores coisas que afecta a região. Fazem falta as casas do Povo, não há associativismo, um sentido de comunidade. Creio que o problema é este: se estás envolvido é sempre bom, se não estás é fácil criticar. Ninguém se envolve para não se comprometer. Há um defeito enorme na nossa sociedade: toda a gente tem medo de errar e errar é o mais natural que existe. Faz parte. Mas como têm medo, não arriscam.
O modo de vida moderno tem as suas influências…
Sim, também. As casas estão tão caras que as pessoas quase sentem a obrigação de as usar, tal como os sapatos: têm que se gastar. Ficam presas, reféns de si próprias. A sociedade incute-lhes isso. É fundamental lembrarmo-nos que somos “animais sociais” e fechados em casa estamos enjaulados o que aliado ao medo do erro domina a actividade das pessoas. Costumo dizer que a minha vida é tão grande que cabia num T0…
Tens lugares de eleição aqui na região?
O castelo de Almourol e a envolvente do rio juntamente com o Parque da Barquinha, sem dúvida o melhor da região. Depois, o meu lugar de fuga, onde vou para “gritar”, é a Torre de Menagem do Castelo de Abrantes, com uma vista fantástica de 360º sobre a região. Em Torres Novas é a festa, as pessoas que saem à rua e os espaços que se criam com a presença destas.
Os teus projectos futuros contemplam sempre a região?
Digo sempre que a Barquinha é a minha mãe, casei-me com Abrantes (onde trabalho) e Lisboa é a minha amante. Mas mãe é mãe! Gostava de fazer três curtas-metragens sobre as fases e espaços da minha vida.
Comemoram-se os 35 anos do 25 de Abril…
Fui baptizado, em Monte Real, no dia da Revolução. Nasci dois meses antes dela. Tenho uma visão muito pessoal da Revolução, foi branda… Nem tudo o que é bonito me convence. Foi tudo muito bonito, mas… Tenho liberdade? Tenho, mas não sinto a força do povo como se sentia naquela altura. O povo está escondido em casa!