Com origens no Tramagal, David Padilha Veríssimo, 29 anos, começou a sua carreira como velocista no Sporting, há 15 anos, e agora é guia de um atleta paraolímpico. Licenciado em Educação Física e personal trainer num ginásio, David é um desportista de corpo e alma.
Como surgiu a oportunidade de se tornar guia?
Nuno Alpiarça, o meu treinador, é guia desde há alguns anos de Carlos Lopes, um atleta invisual com várias medalhas internacionais e, em 2007, falámos sobre a hipótese de experimentar treinar com Firmino Baptista. Os técnicos gostaram e, desde então, formamos dupla.
Quais foram as motivações ao dar esse passo?
Sentia alguma rotina após a finalização da licenciatura e desejava percorrer outros caminhos. Quando surgiu a oportunidade de ajudar o atleta aceitei sem pensar duas vezes.
Firmino é velocista, cego total, categoria B1. Como é a vossa relação na pista?
Numa competição “normal” há uma pista para cada atleta, neste caso há duas, uma para o guia e outra para o atleta. À parte das regras iguais entre cada tipo de competição, o guia nunca pode cortar a meta à frente do atleta, nem puxá-lo ostensivamente no decorrer da corrida. Isto exige muito treino!
O treino como guia é muito diferente do individual?
Temos planos de treino iguais, tem de haver sintonia na nossa coordenação motora. Treinamos a comunicação, pois durante a prova dou-lhe indicações e tenho de conhecer bem o atleta para poder orientar o seu desempenho, sendo que, nos 200 metros, por causa da curva, o treino torna-se ainda mais importante. Perde-se o egoísmo de um treino individual.
Transportam essa sintonia para fora das pistas?
É uma responsabilidade muito grande. Se me lesiono prejudico grandemente o atleta, mas construímos uma amizade e até o treinador, Rui Raposo, costuma dizer que somos muito parecidos em estados de humor e disponibilidade para o treino. Dada a proximidade e relação de confiança que tem de existir, se houvesse algum tipo de animosidade entre nós nunca resultaria.
SORRISOS EM PEQUIM
Em Pequim participaram nos Jogos Paraolímpicos. Que sensações viveu no Oriente?
Os resultados foram bons. Era a terceira participação do Firmino nuns Jogos depois de Sidney e Atenas. Alcançámos um 11.º lugar nos 100 metros e a final dos 200 metros, acabando em 6.º lugar. Para mim foi uma sensação inesquecível. O estádio estava sempre cheio e recordo-me de rir e sorrir cada vez que entrava na pista. São momentos indescritíveis.
Sentiu muito nervosismo diante de toda aquela imponência?
Não. Foi o concretizar de um sonho. Tenho a consciência de que nem todos podem ir a uns Jogos Olímpicos, não sendo uma substituição estes Jogos Paraolímpicos, num registo diferente do que foi a minha carreira, acabaram por me fazer sentir muito orgulhoso. E com companhia durante a prova, sinto menos pressão e desfruto muito mais.
É conhecida a luta dos atletas Paraolímpicos por melhores condições de treino. O que observou neste tempo enquanto guia?
Creio que as dificuldades são as mesmas em comparação com os atletas de alta competição. Treinamos na mesma pista que Nelson Évora e as condições são iguais para todos. Mas em Pequim, por exemplo, havia um centro só para Paraolímpicos. Cá… se para os Olímpicos o que há é pouco, para os Paraolímpicos muito menos.
E em termos de apoios financeiros, a situação melhorou? piorou?
Os Paraolímpicos querem as mesmas condições que os outros atletas. Sinto que estão cansados de ter tantas medalhas e tão poucos apoios. Criaram o Comité Paraolímpico e a Associação de Atletas com Deficiência continua a lutar por igualdade. Há atletas com medalhas que sentem frustrações enormes com os atrasos nos pagamentos de prémios e isso condiciona muito a vida deles.
Quais são os objectivos para esta época?
A época não começou muito bem. O Firmino lesionou-se e está em recuperação mas, apesar do atraso, queremos estar presentes no Campeonato da Europa deste ano na Grécia e, a longo prazo, marcar presença nos Jogos Paraolímpicos de Londres em 2012. Por mim a relação é para continuar.
Sentes o desporto como uma forma de vida?
É um hábito, é o mundo onde tenho as minhas amizades e se não treino noto logo a diferença no meu dia-a-dia. Acho que para mim é uma forma de vida e só tenho a agradecer aos meus pais pelo apoio, ao Nuno Alpiarça, meu treinador desde sempre, e ao Firmino e Rui Raposo, pela oportunidade.