Transmitir aos netos, Ricardo e João, a cultura do país onde cresceu. Foi este o motivo para Amanda Sousa, 74 anos, se lançar “com atrevimento e ousadia, com paixão e vontade, mas com grande humildade” na compilação de muitos textos sobre a Índia. O livro, “Índia – Antologia de textos sobre a civilização e cultura indianas”, vai voltar a ser apresentado no dia 5, no Equuspolis, na Golegã
Não há dúvidas. Quem nunca sabe qual o direito ou o esquerdo no interior de um prédio, uma placa de madeira – “welcome to our house” – indica que é esse o lado onde mora a família Sousa.
Sente-se o conforto e a calma de quem vive em paz. Há velas, uma música de fundo que pouco tem que ver com este lado ocidental do mundo. Imagens, símbolos e artesanto de uma outra cultura conjugam-se com um oratório com Cristo Crucifixado.
Maria Amanda Lopes de Sousa, filha de pais goeses, nasceu em Zanzibar, mas um ano depois a família regressou a Goa, à aldeia de Saligão. Foi entre mangueiras, coqueiros e arrozais que Amanda cresceu. Casou na Índia com o seu eterno namorado, Estevam de Sousa, goês. Viveram em São Tomé e Princípe e desde 1974 que fixaram residência em Torres Novas.
Afirma que o seu coração é e sempre foi português, mas transporta o exotismo do país onde cresceu. Da casa “grande cheia de luz” – no dizer das suas filhas, Mónica e Sheila – Amanda trouxe o ondular das mãos, o desejo de proporcionar aos netos a possibilidade de conhecerem a Índia “com os olhos do coração e absorver a profunda espiritualidade do seu povo”.
“Observai o Universo na glória de Deus, tudo o que vive e se move na Terra. Deixai o transitório e procurai a alegria do Eterno, não deixeis o coração prender-se às possessões de ontem” (Upanishades), finaliza a dedicatória aos netos da antologia de cerca de 300 páginas, generosamente ilustradas, sobre a história, as religiões, a cultura da Índia. “Quis falar um pouco de tudo, para quem quiser conhecer, possa saber mais adquirindo conhecimentos noutros livros”, continua Amanda.
Ricardo, o neto mais velho, segue a conversa com olhos bem abertos. “O que são dotes?” Amanda conta a história
do seu casamento. “Foi um casamento arranjado pelos padres…”. Estevam dá o seu assentimento. Um dos irmãos de Estevam, que na altura já era médico e estava em África, era padre e juntamente com outros padres achou que devia arranjar uma noiva para o irmão. “Escolheu-me a mim. Não nos conhecíamos, mas quando o vi, pensei ‘aqui está o homem ideal para mim”. E o doutor?: “Não achei feia…”, responde sorrindo, revivendo a cena. “Casámos sem namorar, namorámos depois e continuamos a namorar até agora”, diz Amanda e embevecida continua: “Ele já era médico, a minha família não tinha muitas posses e a minha mãe disse que eu não tinha grande dote. E sabe o que ele respondeu: “Eu só quero os dotes dela”.
O prazer de pensar
“Por cá diz-se ‘se atirarmos uma pedra, aí nascerá uma capela’. Na Índia podemos dizer: ‘se atirarmos uma pedra aí haverá um filosofo”, descreve Amanda para exemplificar a espiritualidade do povo indiano. “Diz-se que a Índia é suja, que tem muitos problemas... A Índia não pode ser vista com os olhos da razão, mas sim com os olhos do coração. Qualquer pessoa, do mais culto ao menos culto está sempre pronto a ‘filosofar’. Mesmo que não saiba, gosta de falar e de pensar”.
Falar, pensar e expressar o seu sentir através das mais diversas formas artísticas e religiosas. É a música, a dança, os enfeites dourados ou as temporárias tatuagens feitas no corpo, nas mãos e nos pés com henna (planta tintureira). São as deusas pintadas nas paredes dos bairros pobres, os tocadores de rua, um mundo a descobrir em cada esquina.
A música fez parte da educação de Amanda. Em casa quase tem uma orquestra. Amanda toca piano, um dos netos viola e o outro violino.
Professora de Inglês, depois de reformada continuou a dar aulas gratuitamente às crianças do ATL da Zona Alta e a associações da terceira idade. “Eu gosto de dar, de contribuir e de organizar festas, com dança, música teatro...”
E de receber, acrescentamos. Sobre a mesa aperitivos indianos, bolo de chocolate e uma vela bem grande coberta de pavios. “As minhas filhas moram aqui na mesma rua. Posso chegar à varanda e chamar por elas, as outras pessoas ouvem mas não se importam. Esta mesa está sempre cheia...”
A Mónica e a Sheila, mães do Ricardo e do João, respectivamente, coube o “desafio” de escrever uma pequena biografia da mãe. “Adora rir, cantar, dançar, contagia toda a família, como quando o sol nasce, com a sua alegria de viver... todo isto ‘sempre transportada nos braços do meu príncipe encantado’, o nosso pai”.
“Índia - Antologia de textos sobre a civilização e cultura indianas” foi o primeiro passo no mundo literário, ou antes o primeiro saído à estampa. Outros se seguiram recordando os tempos de menina em que ao som dos discos de música clássica, “comprados em segunda mão”, lia histórias de encantar.