A forma como cada um de nós encara a crise está intrinsecamente ligada à forma como cada um de nós também encara a vida. Mesmo num qualquer grupo de amigos sentados à mesa do café, sobressai uma diversidade de opiniões, que, algumas vezes, mais parece não habitar o mesmo país. E entre a esperança que nunca abandona alguns e uma outra esperança que nunca chega para outros, fica o virtuosismo da conversa, pois é necessário começar por algum lado
Ícaro, o pintor, de 51 anos, começa por informar que não é profeta, no entanto sabia que a crise vinha aí: “Basta ter bom senso. Estamos em crise porque o sistema é a crise. E atrás da crise vem outra crise e o sistema alimenta-se disso mesmo. Não me lembro de Portugal sem crise, até temos fama de desenrascados porque sempre vivemos em crise. Porventura, esta, poderá até ser mais grave, quando deveria ser o contrário, pois, mesmo a nível mundial há o suficiente para que toda gente viva bem. Mas nós temos perdido a noção do coletivo. Isso implica discussão evidentemente, mas é assim que se cresce”.
“Pois, mas para crescer efetivamente com noções sobre o coletivo, é necessário começar nos bancos da escola, coisa que…”, afirma Maria Martins de 49 anos. “Em vez disso, as crianças de hoje dizem que querem estudar para terem um bom emprego e terem uma vida boa. A ideia de evolução que é assente em ter cada vez mais dinheiro, um dia tinha que rebentar. Hoje até se inculca empreendedorismo às crianças, que criatividade estamos a desenvolver?! E há pais a alinhar nisto”.
“Criatividade, é isso mesmo”, diz Tânia Duarte, de 35 anos. “O problema da crise é só o “s”. Se o tirarmos resta-nos o “crie”. Na realidade é tudo um problema de criatividade para resolvermos os problemas de hoje e de amanhã – até já deveríamos ter tido a ousadia, a imaginação e a tal criatividade para que nem sequer chegássemos aqui. A criatividade para inventar uma outra sociedade, outro modelo organizativo. Somos parcos até no pensar e no ousar”.
E a Maria volta à carga: “E já que falas em ousar, às vezes até me passo quando a televisão nos apresenta aqueles exemplos, considerados ousados e de sucesso, como por exemplo ir vender rissóis. Isso ainda desespera mais algumas pessoas porque se auto anulam e pensam: Só eu não consigo resolver a minha vida. Isto é aterrador, quase desumano, pois a gente sabe que este problema é grave, é estrutural e não se resolve com exemplos desses. Por isso eu acho que, neste momento, a única solução é as pessoas revoltarem-se e, assim, obrigarem o sistema a mudar na raiz”.
Sim, é verdade, diz Ícaro, “mas eu insisto nas escolas. Se trabalharmos a sério - e quando estou a dizer trabalhar a sério não estou a dizer trabalhar mais – vamos ter resultados. Em vez do tal empreendedorismo devíamos ter solidariedade, uma escola que estimule para o prazer de aprender, uma escola de causas. Mudar estruturalmente começa pela escola. Formando cidadãos, pessoas conscientes e conhecedores do mundo onde vivem. Ah! e com tempo para brincarem. Como disse, Josué de Castro: Queres um adulto culto e sério deixa-o brincar muito”.
Para Rita Ferreira, de 37 anos, subsiste a dúvida. “Não sei o que vai vencer: se o nosso desenrasca ou a nossa acomodação. Mas creio que a crise económica é só o início. Na realidade é a crise social que vai ser o grande problema. É o ciclo: Não há emprego não há dinheiro; sem dinheiro não se consome, sem consumo as empresas não vendem, não pagam impostos e a recessão agrava-se. Depois, com menos impostos as políticas sociais são coartadas e a insegurança aumenta. E nesta sociedade do olho por olho acabamos todos cegos. É disso que eu tenho medo, que seja demasiado tarde. Há um ditado que diz que é mais importante a direção que a velocidade e nós, com toda esta velocidade e este ritmo de vida vamos na onda e nem temos tempo para nos apercebermos dos erros que estamos a cometer.
Mas para Daniela Afonso e Alberta Carvalho, de 21 anos, o assunto não lhes tira o sono. A Daniela nem vê o telejornal para não ficar deprimida e em casa não notou diferença alguma desde que falam “dessa coisa da crise”. Mas a Alberta vai avançando: “Eu penso que assim não vamos lá, porque este governo só está a acrescentar crise à crise. Evidentemente, enquanto povo, também nos devíamos preocupar mais com estas coisas da política e da vida, mas…”
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