O sonho de ser futebolista profissional sempre comandou a vida de João Francisco, natural de Riachos, prestes a completar 23 anos. Fez a sua formação no CADE e no União de Leiria, duas das equipas mais fortes da região nas camadas jovens. Como sénior representou o Riachense, o Eléctrico de Ponte de Sor, o Torreense e o Alcanenense. Pela equipa da terra chegou mesmo a defrontar o Paços de Ferreira para a Taça de Portugal, em 2014, numa tarde de má memória para os alvinegros que perderam por 9-0, mas com João Francisco a ser o mais elogiado da equipa de Riachos ficando inclusive muito perto de marcar nessa partida.
Em 2016, surge a oportunidade de se mudar para os Estados Unidos da América. Jota, como
é conhecido entre os amigos, estava nessa altura “a estudar publicidade e marketing na Escola Superior de Comunicação Social e jogava no Alcanenense”, dividindo diariamente a vida entre Lisboa, Alcanena e Riachos. As boas exibições suscitaram o interesse da empresa Sports4me, através de João Carvalho, que propôs a João Francisco a hipótese de abraçar um novo desafio. “Eu não saí do país por não ter outra opção, tinha a vida organizada, foi uma questão de aventura” admitindo que já tinha confessado “aos meus pais que queria ter uma aventura no estrangeiro”. A hipótese de fazê-lo estudando e alimentando o sonho do futebol foi “a cereja no topo do bolo”, diz. Até porque nessa altura já tinha tudo planeado para ir estudar alguns meses em Istambul, na Turquia, uma hipótese que não agradou muito à mãe devido à instabilidade do país.
O jovem riachense relembra todo o processo que se iniciou “na altura em que comecei a olhar para os estudos um pouco mais a sério”. Quando surgiu a oportunidade, João Francisco decidiu arriscar. “Fiz as captações, que me correram muito bem, e fui aceite pela empresa”. Quando recebeu o e-mail a confirmar que tinha sido aceite ficou “super feliz e entusiasmado” garantindo que tentou “manter os pés bem assentes no chão, focado na vida que tinha em Portugal”. Jota admite que ”tinha a vontade de sair do ninho, crescer e evoluir” quando apareceu esta oportunidade. “O que podia pedir mais?”, questiona.
A partir daqui, começou a preparar todo o processo, analisando quais as melhorespropostas. Admite “dias de alguma
ansiedade” quando começaram a surgirdúvidas nas escolhas sobre onde estudar ou viver. A ajuda da família e das pessoas que o guiaram no processo foram importantes para controlar essa ansiedade. Garante que a família ficou “muito contente” com o rumo escolhido porque “sempre me apoiaram a cem por cento e me deram liberdade para tomar as minhas decisões” garantindo que “indo para qualquer parte do mundo, eles iam apoiar-me”. Agradece o facto de ter “uma família muito unida, sem receio de mostrar os nossos sentimentos, o que torna tudo mais fácil”. No entanto, admite dias complicados antes de viajar: “Foi tudo muito sentimental. Vou guardar sempre a despedida no aeroporto, quando começo a subir as escadas rolantes e a deixar de ver os meus pais”, relembra, como se essa fosse a
metáfora do momento em que muda de vida.
Quando chegou aos EUA foi acolhido pela amiga Ana Isabel Santos, também natural de Riachos. Durante o período de aulas estuda e joga em Bluefield, no Estado da Virgínia, na zona Este do país. Durante as férias compete pela equipa de Myrtle Beach Mutiny, no Estado da Carolina do Sul, e treina as camadas jovens da formação, cerca de cinco horas a sul da universidade. Apesar de ter tido um primeiro mês “que não foi nada fácil” sublinha que “desistir nunca foi uma palavra em equação no último ano” como que selando assim a sua determinação em ter sucesso. O dia-a-dia é dividido entre estudos e a competição, sobretudo “entre agosto e dezembro em que temos muito pouco tempo para pensar no que quer que seja”, frisa. “Normalmente tenho aulas de manhã e treino às 16h. Uma vez por semana treinamos às 6h”, destaca. O resto do tempo ocupa-o preparando-se fisicamente “aproveitando as condições que nos são disponibilizadas” ou no campus a estudar e conviver com amigos. Até agora viveu dentro do recinto escolar mas no próximo ano vai juntar-se com alguns colegas de equipa para partilhar casa no exterior.
Há nas palavras de João Francisco uma vontade imensa de “querer mais” que está na base da sua experiência. Uma cultura que não permite desculpas e que incorporou na busca incessante de cumprir o seu grande sonho. “Acredito que se estivesse em Portugal e continuasse a trabalhar como tinha vindo a fazer, as oportunidades iriam chegar, mas decidi arriscar” mostrando-se muito focado no que o move. “Quando decidi vir para os EUA foi com a ambição de chegar à MLS [principal campeonato do país]. Portanto tenho de trabalhar para isso”, sustentando que “o futebol aqui está a evoluir cada vez mais e isso reflecte-se na quantidade de pessoas que vão aos estádios” dando como exemplo que “há equipas na segunda divisão com 20 a 30 mil adeptos no estádio”, números superiores à primeira divisão portuguesa se excluirmos os três grandes.
Para época de estreia, as coisas têm corrido bem. Foi nomeado para os 30 melhores jogadores
do país na divisão em que compete, foi eleito o jogador mais valioso da universidade em que estuda e esteve, em diversas ocasiões, no onze ideal dos torneios em que participou. A sua equipa fora da universidade, Myrtle Beach Mutiny, ganhou a conferência em que compete. Por isso, considera que a experiência tem sido “mais do que positiva” mas destaca que “há sempre algo para aprender naquilo que fazemos”. Garante que o american dream [sonho
americano] que passa nos filmes é exagerado mas neste momento vai “sonhando e vivendo”.
Para quem pensa que tudo é um mar de rosas, Jota alerta: “Tudo depende da força de vontade” para ter sucesso e
há tempo para tudo: “Há sempre momentos com mais stress mas também não gosto de não ter nada para fazer” destacando que gosta “de novos desafios”. Tem “saudades dos abraços da família, dos meus dois cães e da cozinha portuguesa, principalmente dos cozinhados da minha mãe, das sopas da minha avó e das lasanhas da minha tia”,
destacando ainda “uma boa caracolada com os amigos”. Sem visitar Portugal desde que viajou, em Agosto de 2016, Jota recebeu a visita dos pais, Francisco e Dina, e da irmã, Mariana: “Estiveram em Nova Iorque comigo”, onde abraçaram o ano novo na famosa festa em Times Square: “Foi uma experiência única sobretudo por estar com a minha
família, encheu-me de alegria e no final parecia algo mágico, como nos filmes”. No entanto, garante que “é uma experiência que não tenho intenção de repetir” pois “é muita confusão, temos de lá estar umas 8 horas antes para podermos ter lugar na praça”.
Além de competir e estudar, João procura viajar sempre que possível, acompanhado ou sozinho. Além da visita a Nova Iorque com a família, “no Natal tive uma aventura de 22 dias, foi excelente”, destacando que “adoro estar entre amigos ou fazer caminhadas pelos imensos trails que há na área onde vivo”. Já visitou cidades como Asheville, Wilmington, Chicago ou Washington DC, capital do país, entre outras. As artes também fazem parte das ocupações do jovem. “Criei o meu blog, adoro fotografar e escrever” dedicando parte dos conteúdos a “entrevistas que faço sobre pessoas ou momentos que vivi, como por exemplo a tomada de posse de Donald Trump”. Resume a experiência como “foto-jornalismo em fase de aprendizagem”. Ainda assim, consegue dedicar tempo a ajudar os outros: “Em Bluefield faço voluntariado com crianças e na minha viagem no Natal fiz em Asheville, na sopa dos pobres e a construir casas para pessoas necessitadas”. João Francisco tem um visto para poder estudar e jogar futebol nos EUA durante cinco anos mas não fecha a porta a nenhuma possibilidade. “Quero sempre mais”, como quem já olha para a frente. “Estou muito feliz e não me vejo, para já, de regresso a Portugal. Mas nunca se sabe”, salienta.
Estudar para alimentar o sonho
Foi o sonho de se tornar futebolista profissional que levou João Francisco até aos EUA, num percurso inverso a muitos jogadores que ambicionam entrar na Europa. Mas tal só é possível enquanto Jota não descurar os estudos: “Aqui leva-se muito a sério a questão de sermos estudantes/atletas, aliás, os professores e os treinadores fazem sempre questão de lembrar que o estudante vem primeiro do que o atleta”, alerta. “Para poder competir com a equipa, tenho de ter um GPA [avaliação global dos professores] de 2, numa escala de 0 a 4, por isso se não estudar posso ficar com a minha posição enquanto atleta comprometida”. No entanto, os estudos não são nesta fase da sua vida um fardo para o jovem, mas sim uma área complementar que se torna um bom plano B: “Equaciono fazer um mestrado para tentar ter sempre mais do que uma opção”. Actualmente a estudar comunicação na Bluefield College, na Virgínia, revela algumas dificuldades iniciais por “ser tudo em inglês, mas nada impeditivo quando se quer aprender” até porque teve de fazer um exame da língua para aceitarem a sua admissão na Universidade. Reconhece que a oportunidade oferecida pela Sports4me foi uma plataforma única pois “sem bolsa era impossível estudar aqui, é muito caro”. Explica que todos os atletas têm direito a bolsas, principalmente os internacionais, e que qualquer estudante tem “a oportunidade de trabalhar na universidade” revelando uma cultura diferente daquela que encontramos em Portugal.
Servir de exemplo
Um ano após embarcar, João Francisco não tem dúvidas em aconselhar esta experiência a outros jovens, sobretudo para os que pretendem manter os estudos: “Quando se tem uma oportunidade como esta, pouco há a perder”, afirma. É por isso que tem dificuldade em entender os jovens que “quando as oportunidades aparecem, não arriscam, não dão o passo”. Sublinha que compreende que olhem para a sua experiência como uma referência mas “cada um tem que ter a sua força interior para arriscar, basta acreditar”. João Francisco faz questão de frisar que a Sports4me dá todo o apoio para quem quer seguir esta via e que não se dedica apenas ao futebol mas também ao voleibol, basquetebol, golfe, atletismo ou natação. Depois de estar nos EUA sentiu o apelo de ajudar outros jovens dandolhes a hipótese de seguirem uma oportunidade similar e começou a fazer trabalho de prospecção para a empresa nos distritos de Leiria e Santarém: “No próximo ano já virão mais pessoas da nossa zona de residência para os EUA”, diz orgulhoso pelo contributo prestado neste sentido.
Um desses casos é o de Afonso Vieira, natural de Lapas, Torres Novas. Com 22 anos, passou por CADE, Riachense e Assentis. No final de Agosto seguiu as pisadas de João Francisco: “Estive perto de ir para o Tennessee mas acabei por escolher uma equipa da Carolina do Norte”, na zona Este do país. Apesar de reconhecer que escolheu esta equipa “por ser muito competitiva” pretende rentabilizar a experiência ao máximo: “Vou estudar marketing, e quero levar a sério porque pode ser o curso a dar-me algo no futuro”, reconhece. Antes da partida, Afonso prometia: “não vou para brincar”.