Nasceu no Parque Natural da Serra da Estrela mas apaixonou-se por Mação. Conhece o concelho como poucos e, aos 54 anos, é director do Agrupamento de Escolas. Tendo uma vida ligada à política não exclui, a longo prazo, uma candidatura à presidência da Câmara Municipal.
Conte-nos como veio até Mação.
Nasci no concelho de Celorico da Beira, na aldeia de Galisteu. Saí de lá quando fui estudar filosofia para o Porto. Foi aí que conheci a minha mulher, que é natural de Ortiga. No segundo ano como professor concorri para Mação, pensando que a minha mulher também conseguia colocação no concelho. Entretanto ela foi colocada no Barreiro e eu fiquei aqui sozinho [risos]. Como não tinha grandes responsabilidades familiares envolvi-me numa quantidade de instituições na comunidade. Foi quase uma obrigação para não me fechar e isso permitiu-me desempenhar um conjunto de funções diversificadas que me enriqueceram. Não conhecia Mação mas acabei por me apaixonar por esta zona e esta gente.
Veio para Mação como professor de filosofia?
Sim, e de psicologia também. Logo aí estive ligado à fundação do Centro de Formação de Professores em Mação. Fui o primeiro director, e pouco tempo depois assumi a vicepresidência da escola. Entretanto acabei por fazer dois mandatos como vereador na Câmara Municipal, com o Dr. Saldanha Rocha, tinha o pelouro da educação. Tudo isto possibilitou-me uma relação muito próxima com as associações e as pessoas do concelho.
Essa relação próxima com as pessoas foi importante para assumir a direcção da Escola?
Muito, muito, muito… eu conheço o concelho de Mação com um grau de pormenor muito elevado. Gosto muito de acompanhar com proximidade as coisas em que me envolvo… ia a todas as aldeias. E a direcção da escola é também um reconhecimento das pessoas pelo trabalho que fiz na Câmara.
Quando saiu da Câmara Municipal assumiu imediatamente a direcção da Escola?
Imediatamente. Trabalhei até às 17 horas na Câmara e às 17h30 assumi a direcção da escola. Na altura, circulava a informação de que os professores que estivessem há mais de quatro anos fora dos quadros ficariam com o lugar a concurso. Tive receio que isso acontecesse e tivesse de andar a concorrer pelo país. Mas não apareço na direcão por convite, concorri com o meu currículo e um projecto para o agrupamento e ganhei.
Sendo professor sabia que se perdesse eleições teria sempre a sua profissão, o que não acontece com muitos dos nossos intervenientes que são políticos de profissão. Isso é negativo para a política?
Nunca perdi eleições políticas [risos]… mas percebo o que diz. É muito negativo e quando acontece os desempenhos têm menor qualidade. Se bem que em termos locais isso não se nota tanto e, salvo raras excepções, os quadros das autarquias locais têm evoluído muito. Tem aparecido gente capaz, dinâmica, competente, muito ousada e que pensa na terra muito para além da obra, da rotunda ou da piscina.
Considera Mação um concelho isolado e com menos oportunidades?
Não digo isolado, mas é um concelho de extremos. Estamos sempre condenados a alguma periferia, o que talvez nos aguce o engenho e nos obrigue a trabalhar de forma diferente. Por exemplo, em 2015, a UNESCO reconheceu Mação como a cidade da aprendizagem, isto é, onde todas as estruturas melhor colaboram para levar a efeito um determinado projecto educativo. Foi a primeira vez que isto aconteceu em Portugal.
E isso pode ajudar a reduzir as assimetrias de um concelho periférico?
É verdade. Mas devo dizer que neste momento estudam nesta escola alunos de cinco concelhos: Abrantes, Sardoal, Vila de Rei, Gavião e Mação.
Facto que se deve à oferta?
À qualidade da oferta! Não é só à diversidade. Não tenho dúvidas em afirmar que na região do Médio Tejo somos os melhores em algumas formações. Na cozinha e pastelaria fazemos uma formação ímpar!
Faz falta a formação técnica nas escolas?
Sim. Nós temos o maior cuidado e respeito pelos alunos que querem uma formação mais prática. Hoje, ligeiramente mais de metade dos nossos alunos estão num curso profissional. Queremos que os miúdos metam a mão na massa, não é por acaso que temos uma oficina automóvel a funcionar, onde os alunos de mecatrónica trabalham com quatro engenheiros, recrutados fora da escola. Há três chefes de cozinha, uma estecticista, uma técnica de turismo… temos uma regra de ouro: a formação técnica não é dada pelos professores, vamos buscar técnicos ao mercado de trabalho. Uma coisa é saber como se faz, outra coisa é saber fazer.
Não há nos alunos ou nos pais o estigma de que ir para um curso profissional é assumir alguma incapacidade para fazer o curso geral?
Já houve mais. Os nossos cursos têm uma empregabilidade muito alta. Por norma, onde os alunos fazem os estágios acabam por ficar a trabalhar. É sinal de que eles têm qualidade, e isso para nós é extremamente gratificante. Há um acompanhamento de proximidade que eventualmente poderia não haver noutras escolas.
Os rankings de avaliação são necessários ou criam mecanismos deficitários no processo de avaliação?
Se eu tivesse algum poder de decisão, acabava com eles. Podem, correndo mal, estigmatizar uma escola que até desenvolve um bom trabalho. Há escolas que fazem bons trabalhos com públicos extremamente complexos e são estigmatizados por causa dos rankings. Mas já que existem, nós não os desvalorizamos. Fomos a melhor escola pública do país nos exames de Português do 12.º ano. De quatro em quatro anos é feita uma avaliação externa e, na última, obtivemos “muito bom” em todos os parâmetros. Portanto, as nossas práticas são diferenciadoras e acrescem valor.
Nos rankings, as escolas privadas aparecem, quase sempre, à frente das públicas. Significa maior qualidade no ensino privado?
Uma vez participei numa investigação que analisava os percursos de alunos que saem do privado e do público para a mesma universidade. No final do primeiro ano, os alunos do público estão melhores que os do privado. Acho que a formação da escola pública é melhor. Tem, também, outras obrigações… uma família que tem um aluno numa escola privada pode completar aquilo que a escola não dá, a pública não. Aqui se falharmos podemos estar a hipotecar o futuro de muitas crianças. Não gostava que nenhum aluno de Mação fosse prejudicado por estudar em Mação. É por isso que trabalhamos todos os dias.
É um peso ou um desafio?
Um desafio! Raramente vejo as coisas pela negativa. Tudo aquilo que nos obriga a melhorar é uma oportunidade. Preocupamo-nos em ver as fragilidades de cada aluno e temos de ir ao pormenor.
Há essa análise personalizada?
Sim. Temos uma equipa, o Observatório de Qualidade, que faz a monitorização pormenorizada às práticas, aos desempenhos, às dificuldades da escola e de cada aluno! Conseguimos perceber exactamente onde é que cada aluno falha em cada disciplina e agimos sobre ele para corrigir essas falhas. Identificamos com uma percentagem alta as fragilidades de aprendizagem de cada aluno! Tenho um desafio para os próximos três anos: aproximarmo-nos o mais possível das zero retenções. Ou seja, que a retenção de um aluno em Mação seja a excepção e não a regra. Temos de diversificar os critérios, os instrumentos de avaliação e as formas de ensinar. Por exemplo, o professor de inglês pode dar a aula na cozinha, em vez de ser numa sala, aos alunos do curso de cozinha. Porque não? A motivação será maior para esses alunos. Mas isto não se faz de um dia para o outro…
Há quem associe a redução das taxas de retenção a um facilitismo na educação. Concorda?
O paradigma da educação é completamente novo, não se pode falar em facilitismo. A memória, que era a âncora de toda a aprendizagem é menos valorizada. Dava um teste aos meus alunos e tiravam boas notas, duas semanas depois dava o mesmo teste e as notas desciam para metade. Não posso dizer que o aluno aprendeu, apenas memorizou. O que queremos são aprendizagens mais sólidas. Queremos fazer da sala de aula uma oficina em que os alunos façam coisas. Isto não é sinónimo de falta de exigência, é um modelo muito mais atractivo e que exige muito mais ao professor porque tem de ter uma capacidade de improviso muito maior.
Esse novo modelo estimula mais os alunos?
O nosso projecto-âncora é o “Aluno 100%”. Existem três requisitos: não ter nenhuma falta ao longo do ano lectivo, nenhuma repreensão formal em termos de comportamento e não tenha nenhuma negativa em nenhum período. Isto é cumprir o propósito de estarem na escola: virem às aulas, portarem-se bem e tirarem positivas. Esses alunos são recompensados com o prémio de “Aluno 100%” numa gala no final do ano, recebem uma t-shirt e há o dia do “Aluno 100%” em que esses alunos jogam à bola com os professores, são eles que aparecem no anuário fotográfico da escola... mas depois há outras iniciativas que complementam este projecto. Por exemplo, a matemática era a disciplina que mais contribuía para excluir alunos do prémio, então criámos a matemática elementar que detecta problemas na aprendizagem relativos a anos anteriores, onde faltam bases. Um aluno do décimo ano pode pedir ao professor do quinto para o ajudar nalguma matéria. Não conheço este projecto em mais nenhuma escola do país! E é um facto que melhorámos a assiduidade, o comportamento e até as notas porque isto estimula os alunos.
O que procuram é uma escola 100%?
Sem dúvida. Queremos que Mação se assuma como uma referência na educação. Se as coisas caminharem no sentido em que estão a caminhar, podemos ser um caso sério em termos de sucesso.
Numa altura em que tanto se fala de uma crise de valores, de uma sociedade egoísta, é importante reforçar esse espírito solidário na escola?
É! Temos alguns projectos dos quais nos orgulhamos muito. Lembro-me do caso de uma menina com 3 ou 4 anos que tinha um problema de saúde e precisava de ir fazer um tratamento à Alemanha. A escola envolveu-se, organizou um espectáculo e conseguimos 5,500€, o que não é fácil para uma organização de escola, e entregaram aos pais da menina. Infelizmente, acabou por falecer… Temos o “Prémio Valor” que é entregue ao aluno ou ao grupo que mais contribui para a promoção das causas sociais. Criámos ainda o projecto “Mochila Solidária” em que juntámos um conjunto de materiais didácticos e enviámos para um dos PALOP, julgo que para Moçambique. Recolhemos umas largas dezenas de mochilas e isso contribui de uma forma muito marcante para a formação dos alunos.
Já teve de lidar com algum caso de violência entre alunos?
Mais do que a violência sistemática, há a violência pontual. É natural que haja desentendimentos, mas vamos corrigindo sem valorizar em demasia. Quando vejo sobre o mesmo miúdo alguma acção continuada somos muito decididos, há muito pouca tolerância. Damos oportunidade de corrigir o comportamento, não vamos logo sacrificar o miúdo até porque pode ser pior a emenda que o soneto. Mas temos essas preocupações, como com as drogas, por isso tenho contacto diário com a GNR, julgo que é importante haver essas parcerias. A presença dos polícias na escola, só por si, pode dissuadir esses comportamentos.
É recompensador ser professor actualmente?
[pausa] Não é uma pergunta fácil de responder. Vive-se um sentimento de desilusão… havia a expectativa de recuperar um conjunto de anos que permitiria ter uma valorização salarial importante… acho que os professores não são valorizados como deviam e, como país, vamos pagar isto de forma muito cara. A curto tempo vamos ter candidatos a professor sem o mínimo de qualidade para o ser.
Pode haver uma greve que paralise as escolas?
Se nada for feito parece-me inevitável. Os professores sentem-se traídos.
Para terminar: equaciona uma candidatura à presidência da Câmara Municipal?
Não posso dizer nunca a esta distância, mas nos próximos tempos não. Penso continuar como director e tenho vontade de fazer o quarto mandato. Posso dizer que me sinto capaz de fazer um bom trabalho e de ser um bom presidente da Câmara mas neste momento não me passa pela cabeça. Não excluo, mas devo referir que nunca concorrerei contra o actual presidente, Vasco Estrela, que é um grande amigo meu.