João Rodrigues completou recentemente 17 anos de uma vida muito difícil. Sofre de Tetraparesia Espástica desde praticamente a nascença, o que torna as suas acções bastante limitadas. A mãe, Marta, não desiste de dar uma vida melhor ao filho.
Os dias do Jokinha, como é amavelmente tratado por quem o rodeia, são passados no Centro de Recuperação e Integração de Abrantes (CRIA). Mas ao sábado, dia em que o visitámos, está em casa. E não passa sem música: “Ele chora quando a música para”, diz a mãe entre sorrisos. O som das músicas de Quim Barreiros ecoa pela casa quando chegamos ao Rossio ao Sul do Tejo. No quarto, João vive deitado, porque a sua condição não lhe permite mover-se sozinho.
Marta Rosário, 43 anos, explica que o filho nasceu prematuro, com sete meses, depois de uma gravidez de risco. Na altura. Marta trabalhava num supermercado e só deixou o emprego quando o médico aconselhou repouso absoluto. Aos seis meses de gravidez sofreu uma hemorragia e ficou de cama até ao parto.
O dia do nascimento foi bastante doloroso. Marta acredita ter existido algum desleixo da equipa médica ao prolongar o tempo de espera quando as dores já eram insuportáveis e disso já tinha dado conta. “Não me lembro do parto, acordei num corredor e o João já tinha nascido”, relembra. Como não havia nenhuma incubadora disponível no Hospital de Santa Maria o bebé foi imediatamente transferido para o Hospital Amadora-Sintra e só ao fim de cinco dias Marta conheceu o filho: “Ele teve de levar uma transfusão de sangue quando nasceu, em consequência da anemia que tive durante a gravidez”.
Durante mais de um mês caminhava para Lisboa em dias alternados, mesmo estando debilitada. “Foram dias muito difíceis”, recorda. O filho mais velho, Nuno, tinha nascido em Janeiro do mesmo ano e Marta lamenta que “durante todo esse processo ele precisava da mãe e eu não estava”, lamenta.
Até que, na véspera de Natal, puderam finalmente trazer o filho mais novo para casa: “Pensámos que estava tudo bem”.
O primeiro dia do resto da vida
No dia 4 de Janeiro de 2004, véspera do primeiro aniversário de Nuno, a vida mudou para sempre. “A minha irmã Paula tirou-o do ovo, até ralhei, mas ela disse que queria muito pegá-lo, e o bebé não tinha reacção nenhuma”, recorda. Tentou dar-lhe o biberão e João não reagia. Foi então que Edite, a outra irmã, e a mãe Florinda começaram aos gritos. “Nem esperaram pela ambulância, pegaram nele e foram logo para o hospital. A minha irmã entrou com ele ao colo a gritar que ele estava a morrer e veio logo um médico”. Marta confessa que só quando viu o aparato, “com tantos médicos e enfermeiros”, é que teve noção da gravidade do problema: “Caiu-me tudo ao chão”.
João sofrera uma paragem cardio-respiratória e o facto de estarem no Rossio, em casa dos pais de Marta, foi fundamental. “Na altura morava no Pego, se estivesse lá ele não teria sobrevivido até ao hospital”. As palavras dos médicos foram um choque de realidade para a mãe: “Conseguimos trazê-lo de volta”. A irmã Paula, sem saber, ao pegar no sobrinho ao colo, salvou-lhe a vida.
A partir daí a vida do Jokinha foi passada entre corredores de hospitais. “Começou a ser seguido em Abrantes, ele não gatinhava nem se sentava”. Ficou a aguardar consulta em Lisboa, mas a espera parecia eterna. “Um dia a minha mãe em conversa com a dona da farmácia contou o problema e ela marcou consulta com o Dr. Luís Borges, em Coimbra”. Encontraram ali um amigo: “É um grande homem, ajudou-nos muito”.
Apesar de esconder todos os problemas atrás de um permanente sorriso, Marta confessa que “é muito duro e cansativo. Não gosto de me fazer de coitadinha, mas só conto com a ajuda da minha mãe e das minhas irmãs que têm a vida delas”. Além de Nuno, o filho mais velho que está sempre presente: “Ele e o irmão são um espectáculo”.
O Jokinha precisa de uma cadeira de rodas
O diagnóstico surgiu após um dia de longas horas no Hospital de Coimbra: o Jokinha tem Tetraparesia Espástica, uma variante de paralisia cerebral, que limita drasticamente o desenvolvimento motor e cognitivo. A estabilidade familiar também sucumbiu ao desgaste dos infortúnios: “No dia em que soube o diagnóstico foi o dia em que também soube que me ia separar”.
Jokinha vive confinado à sua cama e tem uma cadeira de rodas, doada “pelo Vitinho, um menino das Arreciadas com o mesmo problema” que, recebendo uma de oferta, doou a antiga porque a do João já estava em más condições. O problema é que as necessidades de cada doente são diferentes e vão evoluindo: “O Jokinha precisa de uma cadeira adequada a ele e aos problemas que tem”, ressalvando que agradece profundamente a oferta da família do Vitinho.
Marta explica que “ele tem problemas nas ancas, não é autónomo em nada. Neste momento faz fisioterapia e terapia ocupacional, mas está a piorar fisicamente e ainda não me mentalizei que daqui para a frente as coisas vão piorar”. Além da cadeira de rodas, todo o tipo de bens como fraldas, papas ou iogurtes são necessidades diárias.
Em Março, antes da pandemia, “a prima e amiga” Mónica criou no Facebook a página “Ajudem o nosso Jokinha” com o intuito de angariar verbas. Entre Junho e Setembro foi possível angariar verbas suficientes para comprar uma nova cadeira de banho. O próximo passo é conseguir fundos para a cadeira de rodas: “Começaram a organizar alguns eventos para angariar dinheiro mas foi tudo cancelado por causa da pandemia”, lamenta.
Todas as ajudas são bem-vindas, clama Marta. Contudo, guarda na memória – e no coração – o dia, já lá vão mais de dez anos, em que um senhor de Pombal ofereceu uma cama, uma cadeira de banho e uma cadeira de rodas. “Foram mais de dez mil euros”, suspira a mãe. “O senhor quis ficar anónimo mas eu queria agradecer-lhe”. Um dia recebeu uma surpresa: “O senhor vinha de Castelo Branco e ligou-me. Quis conhecer o João, veio com a mulher e os filhos”
Ainda hoje Marta se emociona ao recordar a gentileza de um desconhecido: “Ainda há pessoas boas”. E, agora, o Jokinha precisa novamente de pessoas boas no seu caminho.