A luta feminista continua na ordem do dia e, em mês de Dia Internacional da Mulher, lembramos a história das nossas mulheres. Porque é fundamental não esquecer nomes que tornaram a sociedade mais justa para as mulheres.
O direito a ter um salário igual ao dos homens, o direito às liberdades mais básicas como ir a eventos sociais sozinhas ou conduzir (algo ainda proibido em alguns países), o drama da violência doméstica que afecta maioritariamente as mulheres, ou, e este é um dos maiores dramas da actualidade para as mulheres, a prática de mutilação genital é algo completamente descabido. Todos estes são exemplos de desigualdades inaceitáveis, cruéis e arcaicas que nem deveriam ser um assunto em 2020. Mesmo assim, também em Portugal, algumas destas injustiças são uma realidade. Um país onde, apesar de tudo, as diferenças são muito menores actualmente do que noutros tempos, não tão distantes assim.
O direito a ter um salário igual ao dos homens, o direito às liberdades mais básicas como ir a eventos sociais sozinhas ou conduzir (algo ainda proibido em alguns países), o drama da violência doméstica que afecta maioritariamente as mulheres, ou, e este é um dos maiores dramas da actualidade para as mulheres, a prática de mutilação genital é algo completamente descabido. Todos estes são exemplos de desigualdades inaceitáveis, cruéis e arcaicas que nem deveriam ser um assunto em 2020. Mesmo assim, também em Portugal, algumas destas injustiças são uma realidade. Um país onde, apesar de tudo, as diferenças são muito menores actualmente do que noutros tempos, não tão distantes assim.
“Excluir a mulher, só por ser mulher, é absurdo”, disse um homem!
Gabriel de Oliveira Feitor, historiador e cronista do abarca, recorda que “a luta pela emancipação da mulher em Portugal tem os seus alvores ainda no século XIX junto dos círculos socialistas e republicanos. Essa proximidade não é alheia à sensibilidade da República em promulgar legislação que significou um avanço na luta feminista”, sublinha. A luta pelos direitos das mulheres teve de romper os costumes absolutistas dos homens e, para isso, contaram inevitavelmente com a ajuda masculina. É, também por isso, que os discursos incendiários contra os homens que actualmente lemos provam duas coisas: quem os escreve não sabe como fazer a guerra e não tem a menor ideia do que é a luta feminista em Portugal. Sim, essa luta envolve – deve envolver! –, os homens!
proximidade não é alheia à sensibilidade da República em promulgar legislação que significou um avanço na luta feminista”, sublinha. A luta pelos direitos das mulheres teve de romper os costumes absolutistas dos homens e, para isso, contaram inevitavelmente com a ajuda masculina. É, também por isso, que os discursos incendiários contra os homens que actualmente lemos provam duas coisas: quem os escreve não sabe como fazer a guerra e não tem a menor ideia do que é a luta feminista em Portugal. Sim, essa luta envolve – deve envolver! –, os homens!
Após a implantação da República a Liga acaba por se dividir em duas facções sendo a mais forte a ala moderada, liderada por Ana de Castro Osório, que daria origem à Associação de Propaganda Feminista. Natural de Mangualde, distrito de Viseu, escreveu em 1905 o primeiro manifesto feminista português, intitulado “Às Mulheres Portuguesas” (que utilizei para titular este texto). Ligada às letras, trabalhava como escritora e jornalista, e fazia da sua instrução o principal meio para promover a luta: escrevia e distribuía por Lisboa folhetos sobre higiene e normas educativas para jovens mães e, sobretudo, publicava artigos onde falava sobre temas fracturantes como o direito ao voto, a educação das mulheres, o acesso ao mercado de trabalho, e a importância da independência financeira da mulher, sobretudo em caso de abandono ou viuvez.
O direito ao voto foi, aliás, a principal luta das mulheres no século XX, especialmente em Portugal. Recordamos que só em 1974 as mulheres puderam votar livremente em Portugal. Mas isso não significa que não tenham votado mulheres antes disso.
A primeira mulher a votar em Portugal foi Carolina Beatriz Ângelo, médica que hoje dá nome ao hospital de Loures, a primeira cirurgiã portuguesa, que exerceu o direito de voto “nas eleições para a Assembleia Constituinte, em 1911”, explica Gabriel de Oliveira Feitor. “Aproveitando um furo na Lei, que permitia o voto a todos os ‘cidadãos portugueses com mais de 21 anos, que soubessem ler e escrever e fossem chefes de família’, Beatriz Ângelo, então viúva, invocou a figura de chefe de família para tal”.
Visto que, na lei, o plural não excluía as mulheres, Carolina Beatriz Ângelo recorreu à justiça de modo a ser incluída nos cadernos eleitorais. Após vários recursos, o juiz João Baptista de Castro, pai de Ana de Castro Osório, proferiu a histórica sentença a 28 de Abril de 1911: “Excluir a mulher (…) só por ser mulher (…) é simplesmente absurdo e iníquo e em oposição com as próprias ideias da democracia e justiça proclamadas pelo Partido Republicano. (…) mando que a reclamante seja incluída no recenseamento eleitoral”. E assim se fez história!
Mas Beatriz Ângelo não foi a única mulher a votar em Portugal antes da Revolução dos Cravos. Adelaide Cabete, também médica, e outra das figuras de peso do feminismo português, natural de Alcaçova, no concelho de Elvas, foi a única mulher a votar no referendo à Constituição de 1933, a partir de Luanda, onde estava emigrada.
Cabete foi a dirigente feminista que mais anos esteve activa e, por ventura, aquela com uma visão mais alargada dos direitos sociais. Além da luta feminista, que acabou por marcar a sua vida, lutava por outras causas sociais como os direitos dos animais, a abolição da escravatura ou o fim do uso militar para a resolução de conflitos. Assuntos ainda hoje pouco consensuais, mas pelos quais Adelaide Cabete já mostrava preocupação na época.
Como ginecologista e obstectra, escreveu diversos artigos sobre a criação de apoios para grávidas e cuidados materno-infantis, mostrando continuamente uma grande preocupação com os cuidados de saúde básicos e a melhoria das condições de vida de crianças e mulheres. É, precisamente, como resultado da sua luta pelo acesso à saúde pública que nasce, em 1932, a Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa.
De todas as mulheres cujo nome não pode ser esquecido quando falamos da luta feminista em Portugal, e a história de muitas outras poderia ser aqui contada, por ventura foi Adelaide Cabete aquela que deixou uma obra mais profunda e alargada. “Era um prodígio”, escreveu sobre ela a jornalista Manuela Goucha Soares. Um dia perguntaram-lhe qual o acontecimento que mais marcou a sua vida e, dona de uma lucidez, ironia e pragmatismo invejáveis respondeu: “o meu marido”.
Abro um parêntese precisamente para lembrar a mulher da nossa região com maior destaque na luta feminista. Maria Lamas (Maria da Conceição Vassalo e Silva, da Cunha Lamas, por casamento – Torres Novas, 6 de outubro de 1893 – Lisboa, 6 de dezembro de 1983) “conhecida jornalista e escritora, opositora ao regime de Salazar”, lembra Gabriel de Oliveira Feitor, natural de Torres Novas, foi membro do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, presidido por Adelaide Cabete, tornando-se líder da mesma em 1945. A partir desta data foi presa três vezes pela PIDE, o que motivou o seu exílio em França. A sua obra “As Mulheres do Meu País”, que retrata a condição das mulheres em Portugal na década de 1940, constitui um dos retratos mais duros do Portugal fascista e é, por consequência, uma denúncia do regime ditatorial salazarista.
Adelaide Cabete viria a falecer em 1935, bastante angustiada com o rumo político do país, naquela altura já a viver em ditadura. Meses antes, no mesmo ano, falecera Ana de Castro Osório, revelando também alguma “desilusão” pelo rumo do país. Esse desencanto, apesar de todos os progressos, é justificado por Gabriel de Oliveira Feitor: “Apesar de tudo, a República não cumpriu a promessa do sufrágio universal, com receio da influência da Igreja nas mulheres”. Carolina Beatriz Ângelo morreu em 1911, apenas quatro meses após ter feito história ao se tornar na primeira mulher a votar em Portugal. A morte não deixou a luta órfã. Como disse às portas da morte o guerreiro William Wallace, um dos líderes pela independência da Escócia, quando questionado se queria declarar algo possível de o poupar à guilhotina: “Podem tirar-me a vida, mas não me tirarão a liberdade”. Hoje, em 2020, aqui continuamos a lembrar que a luta e a vida de Ana de Castro Osório, Carolina Beatriz Ângelo ou Adelaide Cabete, entre tantas outras, não foi em vão.
A Primeira Bandeira
É uma história fácil de contar, simples, mas digna de registo por ser um marco histórico e um episódio revelador da proximidade do Partido Republicano à luta feminista.
A 5 de Outubro de 1910, dá-se a Proclamação da República e José Relvas, filho de Carlos Relvas, fotógrafo natural da Golegã, hasteia nos Paços do Concelho em Lisboa a primeira bandeira da República Portuguesa.
Essa bandeira, assim como outras 19, foi costurada à mão por Carolina Beatriz Ângelo e Adelaide Cabete, em contra-relógio. Assim que a revolta saiu à rua, as mulheres puseram mãos à obra na confecção secreta de bandeiras vermelhas e verdes. Uma missão para cumprir em menos de 48 horas, concluída com sucesso.
Sem que muitos soubessem, José Relvas hasteava naquela manhã a bandeira que anunciava a vitória dos republicanos e, também, a história contada pela expressão popular: “por trás de um grande homem, está sempre uma grande mulher”. Neste caso, por trás de uma grande nação estão garantidamente muitas mulheres.
* Reportagem originalmente publicada na edição número 437 de Março de 2020