Nas últimas semanas muito se tem escrito acerca do novo Presidente do Tribunal Constitucional, Professor João Caupers.
A polémica surgiu a propósito dos “textos provocatórios e tolos” – nas suas palavras - que escreveu acerca dos homossexuais e loby gay. Uma espécie de “redenção” e, por falar em tolos, só estes podem acreditar. Só que nós e, também, à semelhança dos seus textos, não o somos.
Avaliarmos as suas competências para o cargo que acabou de ocupar através destes escritos é insuficiente. Ler a sua opinião sobre a co-adopção é ainda mais aterrador. Contudo e porque sou mulher, tive a curiosidade de procurar acórdãos de sua autoria nos quais se pronunciasse sobre o meu género, pois tudo indicava que não iria ter surpresas. Tive e descobri que em 2019 ainda há juízes que escrevem “criada de servir”. Já nem me lembro há quanto tempo não escutava este termo. Só continuo a ouvi-lo na boca de quem ainda está viva, com muita idade e, de facto, serviu na casa de alguém que já morreu.
No direito dois mais dois nem sempre são quatro. Por isso, nem o Dr. Google responde às vossas dúvidas quanto ao direito, nem factos idênticos têm sentenças idênticas.
Muito simplificadamente para que se perceba: estando em discussão o direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade de um cidadão e este propor a acção de investigação da paternidade decorridos 10 anos após atingir a maioridade, há divergências na interpretação da lei. Por isso, uma cidadã portuguesa fê-lo quando já tinha cinquenta anos de idade. Da sentença do Tribunal da Comarca onde residia, onde não lhe foi reconhecido tal direito, foi interposto recurso para o tribunal superior. Assim sendo, em Fevereiro de 2017, o Tribunal da Relação de Guimarães proferiu um acórdão no qual, deu como provado, entre outros factos “que a sua mãe trabalhava como criada na casa da mãe do réu nos anos de 1967 e 1968…” e que decidiu que “o estabelecimento do prazo de dez anos para instaurar acção de investigação de paternidade viola a exigência de proporcionalidade consagrada no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa e, constitui, no actual estado do conhecimento científico, restrição não justificada do direito ao conhecimento das informações genéticas”. Pois bem. Não conformado com tal decisão o “pai da criança”, como entoa a canção, recorreu para o Supremo e é aqui que se cruza com o Senhor Professor Caupers na qualidade de relator do acórdão. E tudo muda porque o Senhor Professor tem um entendimento diferente.
Da sua interpretação resulta que o prazo dos dez anos é “cego”, ou seja, o seu decurso fixa inexoravelmente a perda do direito ao estabelecimento da paternidade e não pode ser harmonizado com outros valores, concretamente, o direito à identidade pessoal, constitucionalmente garantido. Passo a transcrever “A mulher que nasceu de uma relação entre uma criada de servir e o filho da patroa…”, tinha perdido o direito de pedir que fosse reconhecida pelo pai aos cinquenta anos. Porquê? Entre outros fundamentos daí decorre “forte repercussão na vida pessoal, familiar, social e patrimonial do investigado”. Que aborrecimento! Uma vida familiar, profissional e social desmoronada porque, repentinamente, surge uma criatura que é resultado de “coisas próprias da juventude” (sobretudo em determinada classe social) e só existe porque nos servimos “da criada de servir”. É certo que o acórdão foi aprovado por maioria, mas o Senhor Professor Caupers foi o relator.
Desde a canção “quem será o pai da criança”, na qual a “sopeira” tem um filho do patrão, não escutava nada semelhante. Só que quem escreveu esta letra não é Professor de Direito, nem Presidente do Tribunal Constitucional.
Uma reflexão: sabem que o Tribunal Constitucional é composto por treze membros da simpatia do PS e PSD e um ou dois independentes? Que predomina o número de “simpáticos” consoante o partido que está no poder? Que nem todos são juízes de carreira? Não estará na hora de exigirmos uma maior transparência no conhecimento de quem garante os nossos direitos e valores fundamentais?