Este nosso Condado é um eterno insatisfeito, autocrítico, viciado na rotina de esperar por milagres. Mas até há um deles - ser único. Único por autêntico. As quinas podem não ser de platina mas nunca se limitam a desenrolhar vinhos d´aquém e d´além parreiras; a cortiçar pimentos e sardinhas assadas, enquanto 7 saias da Nazaré pousam para os pincéis de Malhoa, Carlos Reis e Roque Gameiro; a alindar, ao sabor dos penta joaninos conventos, os papos de anjo no colo das barrigas freiráticas que atoucinham o céu, um doce resgate das promessas esfoladas nos joelhos que sobem a Senhora da Penha e agradecem na Cova da Iria. Tudo intervalado por viras e fandangos na filigrana de “ir a Viana” com Amália e Paredes, enquanto o galo barcelar empolga a crista, a resgatar o enforcado. Sim, nunca ficamos por ali, vamos no soma e segue. Por isso só é de arregaçar as mangas frente aos talents de bien détruire, que tentam agora regar as quinas com alcatrão. Mas vindo de onde vem, nem admira a punhalada de querer levar os Descobrimentos para o crematório. E, se não ainda não o exigem, insinuam na osmose de mão canhota, arrasar o Padrão dos ditos cujos, os Jerónimos; a Torre de Belém; os painéis de S. Vicente; enfim, todas as heranças manuelinas e imperiais. (Nota: Já agora, por obséquio, façam o serviço completo: arranquem a Esfera Armilar da nossa bandeira. Não acredito que não saibam o que significa?).
Mas adiante: se a toponímia é um dos nossos mais ricos filões, temos outras impressões digitais insubstituíveis: os provérbios, aforismos, adivinhas e ditados. Até podem ter tetravós mas são antológicos. Da herança latina (Quis tacuit, consentire videtur – Quem cala, consente); à pegada gaulesa (Vieille haine fait toujours de trop mal – Ódio antigo, traz sempre muito perigo); à britânica (Neither evil or goodness are everlasting – Não há mal que sempre dure nem bem que não se acabe); e à adivinha italiana (non é AMOR, ma molto vicino - não é AMOR, mas muito próximo (resposta - ROMA). O Zé do Bordallo antecipou com sagacidade, o ridículo, a caricatura, o exagero, o bom senso, a curiosidade e tantas mais facetas do que somos. Numa simples frase, com ou sem rima, o simbolismo desdobra, “acha e descobre”, destapa a realidade. Quem não desejaria ser o garoto do “rei vai nu”? Os ditados abrem sorrisos, tonificam, fazem-nos pertencer ao grupo anónimo que os criou e recita. E sempre apreciados - do sabor medieval (“ca [porque] saber o que o povo mellor diz, nada qu´a El-Rei faza mays feliz” (Fernão Lopes),à eufonia de 1450 (“são o que de mais sábio e verdadeiro nos guarda a memória moldada pelo povo, século após século, reinado após reinado” (Garcia de Resende). Atrevi-me a perdigar alguns, talvez menos ouvidos, a peregrinar a nossa língua por onde é de bem-ouvir-ler-e-melhor-anotar. Muitos mais encontrei - deixo apenas uma amostra de amostras:
*Â minha mesa e à alheia, nunca te sentes com bexiga cheia (Valongo do Voga); *A certeza é vela acesa de pouco pio – acaba logo no fim do pavio (Carregueira); *A mentira nunca vem só: quando a boca a diz, a cabeça já a pensou (Coimbra); *A primeira palavra é Pai ou é Mãe. A última? A que Deus tem (Mira d´Aire); *A maior riqueza que sempre me vem, é ter pai e mãe (Canas de Senhorim); *A vitória numa batalha, não é o que se diz. Só no fim da guerra, é fim feliz (Buçaco); *Antes velha com bom dinheiro do que novinha mas só o corpo inteiro (Pisão); *Ao pé de mim, quem se arme em esperto, nem de longe, nem de perto (Maiorca); *Boi tão velho como o dono, só querem da erva nova, a mais tenrinha (Souselas); *Bota acima, bota abaixo, viva o vinho do Cartaxo!; *Cala-te, se miolos te faltam. E mais ainda, se demais os tens (Sangalhos); *Comida, bebida, gasolina, conta de médico, só com cartão de crédito (Lisboa-Alfama); *Corpo generoso e ele necessitado, se com ela se deita, filho encomendado (Lourinhã); *Cospe má semente, quem só dá com a língua no dente (Miranda do Corvo); *Critica sob as tuas telhas quem quiseres, mas elogia, se fora delas estiveres (Ota); *De homem que fala tanto como mulher, tire-me Deus dessa colher (Gouveia); *É boa e muito honrada, toda a sogra bem sepultada (Albergaria-a-Velha); *Empresta a teu genro, o melhor cavalo e o diabo é que vai montá-lo (Alcochete); *Em sanita onde te sentes, por mais que o intestino não torça, o que tem que ser, tem muita força (Alcoutim); *Em Santarém, não dá só quem tem, mas também quem te quer bem; *Enquanto o mel te cai só gota a gota, a tua sogra enche logo a boca (Silves); *Fica só com os gatos que bem te saibam caçar ratos (Cinfães); *Fruto tão bom, mesmo à porta do rio, é um desafio (adivinha - Figueira da Foz); *Genro amigo e terno, faz pensar que é sol de Inverno (Arruda dos Vinhos); *Lua-de-mel + 1 ano = só paraíso e sem aviso. 5 Anos de casório = purgatório no cartório. Para lá disso, é petiscar por fora, para os dois chegou a hora. (Palmela); *Madrasta? Só a maldita palavra me basta, afasta, afasta! (Estremoz); *- Mãe, o que é casar? - Filha, dar o jantar, lavar, limpar, parir e chorar (Minde); *Mais quero que teus olhos não me mintam, do que quando calados ficam (Anadia); *Mar não tem; nome pode enganar; mas triste nunca vai ficar (adivinhaPorto+alegre); *Mulher feliz de bem casada - marido fiel, sem sogra nem cunhada (Seia); *Mulher que a 2 ama, a muitos mais engana (Lagares da Beira); *Não compres mula manca, nem cases com mulher namoradeira, Nem uma cura a pata, nem a outra lhes larga aos homens, a piteira (Marco de Canaveses); *Nesta casa manda a minha mulher. E quem manda nela sou eu. Mas o gato manda em todos (Valpaços); *Nunca viúva nova e rica te tente. É serpente, com muito pretendente (Bragança); *O hábito não faz o monge mas senão te curas, bem te apuras (Tomar); *Onde bem sempre se come, mas a barriga logo teme (adivinha - Almoçageme); *O que o erro descontrola, a paciência recompõe (Viana do Castelo); *Os mortos, aos vivos abrem os olhos (Braga); *Outra vez, ruas cheias de bombos e aldrabões? Já é tempo de eleições? (Barreiro); *Passa a vida ao pescoço, muitas vezes só do vaidoso (adivinha - Colares); *Pega-se o touro pelos cornos e ao homem pela palavra. Mas perdão se faça a quem traz os cornos de casa (Lorvão); *Pentear macacos já não mandamos. Agora são eles que nos penteiam e…neles votamos (Lisboa- Bairro Alto); *Político que rouba ladrão, zero anos de prisão – são colegas de profissão. (Porto); *Quando a Rosa me fala da Maria, sei mais da Rosa do que da Maria (Almeirim); *Quem o cão muito passeia, quem é afinal o dono da correia? (Alcabideche); *Quem os tem no sítio e é valente, mija no 1º que esteja na frente (Gondomar); *Se sabes tanto mais do que eu, então devolve-me o que é meu (Oliveira do Bairro); *Se casas, entre a formosa e a de tamanco, vê-lhes antes o saldo do banco (Ovar); *Se homem prevenido vale por 2, depois dum parto, mulher prevenida vale por 4 (Amial); *Se queres tudo dizer, é melhor teres pernas para depois correr (Cantanhede); *Se na sanita te custa obrar, pensa que é no [clube rival] que vais c…….(Odemira); *Se vires alguém triste, sem sorriso seu, olha-o de frente e deixa-lhe o teu (Sameiro); *Triste sina a minha: Deus dáme o pão mas não amassa a farinha (Mondim de Basto); *Um favor, um favorzinho: onde há uma mulher boa que seja boa mulher? (Quiaios); *Um gato está sempre ocupado – come, lambese, olho aberto, só dorme sono certo, com tudo controlado e ninguém acordado (Caldas da Rainha); *Um homem nunca chora. Mesmo quando as solteiras foram todas embora. (Maia). Por aqui fico. Mas dos jornais e jornalistas, ficame uma pérola que não esqueço: “Quem sabe, muitas vezes não diz. E quem diz, muitas vezes não sabe.”