Liberdade. O primeiro pensamento que me ocorre. O mais importante, no meu entendimento, e o que sempre norteou a minha existência. Não que sempre tenha conseguido ser livre, mas se em termos práticos não fui capaz de sê-lo em algumas situações, nunca deixou de fazer parte do meu ser e de ter sabido que, por vezes, o violei.
Em Abril (mês de nascimento da minha mãe) esse sentimento invade-me de forma mais avassaladora. E o verso de Jorge de Sena martela na minha cabeça “Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade”.
Já o escrevi inúmeras vezes, não por repetição, mas pela minha própria essência. Também não sei se conseguirei atingir tal objectivo. Não sei se terei tempo de vida que mo permita. Sei que faz parte de mim. Sei que é duro lutar por ele, sei que ser livre traz dissabores e angústias, medos e incompreensões. Sei também que não há partos sem dor, o que não envolve qualquer predisposição masoquista, mas tudo o que sai de dentro envolve sofrimento.
Sofrimento que é esquecido perante a conquista de viver algo que faz parte do ser, do meu ser e, creio, do ser de qualquer um.
Mais do que o amor, a amizade e todos os sentimentos que se possam enumerar, ser livre sobrepõe-se. Só assim se poderá amar incondicionalmente e sem peias.
Em Abril, o povo deste país, foi capaz de derrubar um governo autoritário, amedrontador, eivado de completa indiferença a uma população subjugada, que lutava pela sobrevivência e via os filhos, maridos, namorados, embarcarem no cais da Rocha de Conde de Óbidos em grandes navios que deslizavam nas águas do Tejo ao ritmo dos acenos dos lenços brancos. Lentamente, os lenços transformavam-se em pequenos pontos brancos e no cimento frio e cinzento a dor era cada vez maior.
Contingentes de rapazes que partiram para uma guerra sem sentido e um regresso duvidoso.
Num bolso das calças tinha uma granada, no outro um charuto. Conta Catarina Salgueiro Maia, em entrevista nesta edição, recordando a humanidade e a fibra de um homem a quem o país muito deve: Fernando Salgueiro Maia. O herói de Abril, que nunca o quis ser, e que enfrentou sozinho as forças do antigo regime no Terreiro Paço.
Foi a Salgueiro Maia que coube a dura prova. Felizmente para todos nós que foi este homem duro, fortificado pela dor de todos os que partiam para terras de além-mar, deixando em terra rostos sofridos, olhos marejados de lágrimas e a incomensurável dor da incerteza e da injustiça.
Salgueiro Maia é nome de herói.
Quem me dera ter tempo e poder dizer: “Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade”.