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14 ABR 2021
OPINIÃO | "Os Velhos de Hoje", por Ana Teixeira
Por Jornal Abarca

O meu local de trabalho situa-se frente a um lar. Como trabalho neste local há vinte e muitos anos, conheci muitos, vi partir muitos, conversei com muitos e escutei as estórias de muitos.

Há um ano, concretamente, que deixei de ver aqueles que vinham dar o seu passeio, tomar o seu café, ir à missa pela manhã na igreja de S. João ou ver a vida a passar num banco no Jardim da República.  

Há um ano que temos os nossos velhos enclausurados nos lares.

Os poucos que vejo “colam as caras” nos vidros das janelas e acenam.

Há muitos anos uma amiga, assistente social, fez-me uma pergunta sobre algo que nunca tinha pensado e que, à época, me fez sorrir: Escuta, lá, daqui a uns anos, queres ser idosa ou velha?

No tempo dos meus avós os velhos eram todos velhos. Actualmente, já não existem velhos. Há idosos, seniores, segunda metade da vida, envelhecimento activo e toda uma panóplia de terminologias à qual só falta uma em inglês. Todas falam da mesma realidade: como vivem os nossos velhos e são tratados.

Presentemente sabemos que vivem confinados, ou melhor, enclausurados, há mais de um ano. Quanto à forma como são tratados, direi que estar vivo não é a mesma coisa que ter vida. Logo, os nossos velhos não têm vida há mais de um ano.

Aceito a preocupação das áreas da saúde e educação com as crianças e jovens mas, desculpar-me-ão, terão muitos anos para recuperar esta meia dúzia de meses que não foram às festas de anos dos amiguinhos, faltaram aos jantares das sextas feiras e às longas noites de sábado. Obviamente que nas classes sociais mais desfavorecidas as realidades são outras.

Mas o raio do vírus escolheu os velhos como primeiras vítimas.

As autoridades confirmaram-nos.

Passou um ano e continuam com as “caras coladas na janela”.

Rui Veloso numa das canções entoa “Não há nada no universo que aconteça sem o não e sem o sim dos velhos do jardim”. Enquanto os bancos do jardim da República continuam à espera dos velhos, proponho a constituição de uma comissão de acompanhamento e estudo desta realidade. Mais uma, menos uma, tanto faz. Raramente reportam resultados. Importante é ser anunciada no Jornal das oito.

Neste fim de linha não recuperável, contrariamente, às crianças e jovens, com muitos anos para acertar, errar, cair, levantar, como ajudar estes velhos? Cada minuto, segundo que passa é irreversível. Irreversivelmente perdido com as “caras coladas nas janelas”.

Quanto à pergunta da minha amiga, respondia-lhe que queria ser velha. Mas não hoje. 

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