Enquanto a esperança vai continuando há, no entanto, que manter as regras mais ou menos apertadas para continuarmos este combate ao vírus que vai para mais de um ano que nos atormenta. Assim, vamo-nos mantendo confinados e um dos melhores passatempos é a leitura. Se esta nos puder ensinar alguma coisa ainda melhor.
Na tentativa de esclarecer algumas pequenas bases da matemática vou continuar hoje esta série. Na última crónica deixei a questão de sabermos se os números inteiros também são racionais. Claro que todos responderam que sim, pois qualquer inteiro pode escrever-se como uma razão, como uma fracção, logo são racionais.
Em tempo, acrescento que só tenho falado de números positivos, mas, como sabemos, também há números negativos que, entre outros significados, podem simplesmente dizer-nos que o saldo do nosso dinheiro no banco é negativo, devemos dinheiro ao banco! Mas não só, com os números negativos tornamos possível a subtracção quando o aditivo é menor do que o subtractivo, isto é, “podemos tirar de onde não há”! Basta pedir emprestado.
Assim os números racionais podem ser positivos, negativos ou nulos, inteiros ou fraccionários e, quando reduzidos à representação decimal, têm dízimas finitas ou infinitas periódicas (um conjunto de algarismos decimais repete-se sempre na mesma ordem).
Mas, e os outros?
Todos já ouvimos falar do teorema de Pitágoras: “num triângulo rectângulo o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”.
Esta relação entre os lados do triângulo rectângulo já era conhecida muito antes de Pitágoras ter feito a sua demonstração, cerca de 500 anos AC. Há mais de 3.000 anos AC, no oriente, já se utilizava a corda de treze nós e doze espaços iguais limitados pelos nós para determinar direcções perpendiculares! Os doze espaços eram divididos em grupos: um de três espaços, outro de quatro espaços e outro de cinco espaços e assim contruíam um triângulo rectângulo de catetos 3 e 4 e de hipotenusa 5. Como dizia o outro: é só fazer as contas e verificar que o quadrado de 5 é igual à soma dos quadrados de 3 e de 4. Também há registos de que já no antigo Egipto este processo era conhecido e utilizado para delimitar terrenos e construir paredes perpendiculares entre si.
Pitágoras considerava que o mundo podia ser descrito por números inteiros ou fracionários. No entanto um seu seguidor, Hipaso de Metaponto, chegou à conclusão que o teorema não “funcionava” quando os catetos do triângulo eram iguais! Aparecia nestes casos a raiz quadrada de dois que não era número racional, a sua dízima era (é) infinita e não periódica, não tem representação como razão entre dois inteiros! Pitágoras que tinha criado uma “seita” que acreditava piamente nas suas teorias, considerou que a raiz quadrada de dois não podia desacreditar as suas “crenças”, pelo que Hipaso de Metaponto, seu discípulo, “caiu” ao mar numa viagem pelo Mediterrâneo e, como não sabia nadar, desapareceu para sempre. Só que o problema da hipotenusa dos triângulos de catetos iguais continuou e veio a dar origem aos números irracionais (2.000 anos mais tarde). Denominação infeliz? Não, quer dizer apenas que, contrariamente aos números racionais, os irracionais não se podem representar como uma razão o que veio deitar por terra a teoria de Pitágoras de que os números eram perfeitos!
Reparemos que a descoberta de Hipaso de Metaponto aplicada à geometria diz-nos muito simplesmente que a hipotenusa de um triângulo rectângulo de catetos iguais é incomensurável com o cateto – não há nenhum número racional que possa exprimir a medida da hipotenusa tomando o cateto para unidade de medida. Ou, por outro lado, diz-nos que a diagonal de um quadrado (divide o quadrado em dois triângulos rectângulos de catetos – lados do quadrado – iguais) é incomensurável com o lado! Isto é, reportando-nos à crónica passada, é impossível dividir o lado de quadrado em partes cujos extremos possam vir a coincidir com os extremos da diagonal, logo não há número racional que possa expressar a medida da diagonal tomando para unidade de medida o lado.