Este não é, nem nunca foi, um jornal vocacionado para as grandes parangonas que suscitam a lágrima fácil, tão rápida a evaporar-se como a surgir. O que obviamente não significa que nas nossas páginas se contem histórias cor-de-rosa, de gentes bem sucedida. Nem de perto, nem de longe.
São retratos de vida, de muitas vivências. Dolorosas, felizes ou um simples desenrolar dos dias. Poder-lhe-íamos chamar vidas comuns, mas será que o adjectivo faz sentido? Comuns seremos todos, se lhe retirarmos a individualidade. Diz-se que somos iguais no nascer e no morrer. Sim nascemos para viver e morrer. É verdade. Tão verdade como todos sentimos a dor e a alegria. A angústia e o desespero. A felicidade e o êxtase de ter chegado ao sétimo céu. Fases efémeras do tempo em que o sangue nos corre nas veias.
Difícil será entender que a vida se transforme num completo desespero. Que o riso seja esquecido e as lágrimas se esgotem pela amargura dos dias. Rostos sombrios e atemorizados, onde uma ténue réstia de esperança fica obscurecida pelo medo.
É lá longe, como se na era global, acentuado pela pandemia, o “longe” tivesse algum significado. Todavia, mesmo se contabilizarmos apenas a distância quilométrica, o argumento é profundamente inconsistente. Está aqui. Neste pequeno país… Não vivemos o horror da guerra, não protegemos os nossos filhos do armamento bélico e cego… Mas cruzamo-nos impávidos e serenos com gente vinda de outros locais em busca de melhores dias que vive em condições infra-humanas. Já não há navios negreiros, transformaram-se em barcaças manobrados pelos próprios. Os contratantes não forçam a abertura das bocas para observar os dentes, nem marcam os seus servidores a fogo… Mas será que quando os empilham em cubículos que arrendam a preços astronómicos, exigem dinheiro para lhes “dar” trabalho e pagam abaixo de qualquer tabela salarial, pensam um minuto que o esclavagismo acabou há séculos, que os homens e mulheres que contratam nasceram tal como eles e como eles irão morrer…
Os outros que os veem passar, olham para o lado e piedosamente desabafam “coitados”.
E de repente as entidades oficiais por inspiração divina, diria eu, tomam conhecimento da situação. Aprontam-se os microfones para as doutas autoridades disseram: “Blá, blá, blá…”. Afinal não sabiam de nada. Talvez nomeiem uma comissão…
Perante isto, quero acreditar que um dia todos os seres humanos hão-de nascer livres e iguais em dignidade e em direitos.