Deixamos tudo para amanhã. Com os amigos, com a família, com aqueles de quem guardamos as melhores memórias. Estranho hábito este, de deixar para amanhã o convívio com aqueles de quem gostamos.
Aprendi da pior maneira que o amanhã muitas vezes não existe. Era jovem e pensava que o tempo era infinito. Um dia, naquele inverno cinzento e chuvoso, acordei e tinha uma mensagem para combinarmos a passagem de ano. Nunca fui de festas de arromba, e a passagem de ano é uma em particular a que nunca vi grande encanto. A juntar a isso, a carteira naquela altura abria-se apenas para o indispensável, por isso, deixei para depois, porque a vida haveria de nos dar muitas passagens de ano. O destino pregou-nos a partida de uma vida e no dia seguinte tudo acabou. Literalmente no dia seguinte.
Pode soar um pouco poético, mas a partir desse dia absorvi um modo de vida diferente, em que tenho ciente que pode não haver um amanhã. Isso não significa não fazer planos para o futuro ou viver desenfreadamente, tão somente viver o dia de hoje procurando fazer o melhor.
No dia 24 de Junho a Juliana partiu. Não que eu fosse muito próximo dela, mas a Juliana só tinha 26 anos. O cancro levou-a aos 26 anos. E, quando se trata de uma vida tão jovem, por mais que nos digam que não há nada a fazer, ficamos sempre em choque quando recebemos a notícia. Pensamos nos pais e no que será deles, nos amigos de infância e, claro, nos sonhos que ficam por concretizar.
Fico com a ideia de que a Juliana partiu em paz. Não direi feliz, porque ninguém morre feliz. Mas aquele sorriso gigante que iluminava quem se cruzasse com ela, como cheguei a cruzar várias vezes, tinha no final a inocência de criança que penso nunca ter perdido e a sabedoria de quem no último ano de vida passou pelas mais difíceis provações.
Numa conversa de grupo online um amigo meu, muito próximo da Juliana noutros tempos, disse: “Tenho um peso na consciência por não lhe ter enviado aquela mensagem mais cedo, nunca mais vou deixar nada por dizer a ninguém”. Se calhar é isto: precisamos de ver o fim para perceber que temos de viver o presente. Que o amanhã pode nunca chegar.
Vivemos tempos rápidos demais. Na informação isso é notório, mas reflecte-se no nosso dia a dia. Nas redes sociais, nas relações interpessoais ou até no estudo. Já ninguém reflecte, já ninguém quer pensar ou perceber como se faz. Quer-se feito. E querem-se reacções para que nos sintamos confortáveis com um modo de vida que, sabemos, é errado.
Talvez por ter aprendido cedo demais que nem sempre há amanhã, gosto de parar. E pode parecer um conselho estranho, mas é esse que vos deixo: parar mais. Fazer as coisas mais devagar, ter tempo para uma conversa e um abraço, esquecer o imediatismo das coisas supérfluas. Viver hoje, amanhã logo se vê.