Naquele ninho aconchegam-se as crias. Um dia, no dia certo, baterão asas e assumirão o voo sabe-se lá para onde. Pergunto-lhes para onde gostariam de voar. Sei lá? Respondem. Apenas me dizem que o que querem mesmo é voar, sentirem o vento, soprar outros ares, aprender outros pios, pousar noutras árvores.

Se gostam do ninho? Sim, é claro que sim, respondem sorrindo, olhando-se entre eles, assim como quem diz, gostar gostamos, mas queremos mais: viajar, conhecer, experenciar, partilhar, tudo menos estarmos obrigados aos espartilhos dos tempos contados para tudo e para todos. Queremos mundo. Fazem bem, penso eu. Ter mundo é trazer mundo também. É pensar fora da caixa, sair do carreiro, desmontar o puzzle, construir o futuro sem livro de instruções.

Nem sempre é fácil conversar com miúdos sobre o presente às voltas com o futuro. Habituaram-se a monossilabar, a uma linguagem hermética, a códigos de comunicação que nos deixam fora de um jogo que não dominamos. 

“E, por vezes, os mais velhos são uma seca. Só falam de coisas sérias. De mortos ou quase vivos. De milhões e raspadinhas. De impostos e impostores. Da política do poder ou do poder da política. E isso não nos interessa nada”, dizem-me eles, os miúdos, tentando desviar a conversa. E respondem-me:

“Os mais velhos não percebem que não nos falam ao jeito. Não nos contam as histórias de uma carochinha de agora. Não nos dizem que isso da política é como a rega gota a gota sem a qual a pequena flor vai murchar. Ou como a pequena semente das viagens que sonhamos, das descobertas que queremos, das experiências e partilhas a que nos propomos. Não, não nos falem dessa vossa política. Nem sequer queremos ouvir falar dela. A política, a boa política, deveria ser tão saudável como qualquer jogo de partilha. A política, a boa política, deveria ser tão desejada quanto uma viagem, um futuro, uma missão, um voo de pássaro. A política, a boa política, deveria deixar-nos a nós, os miúdos, com água na boca. Tão curiosos de a poder praticar como qualquer outro jogo a céu aberto, sem nada na manga a não ser tudo por todos. A política, a boa política, deveria ser um desígnio vosso, os mais velhos, para connosco, os de amanhã...”

Ouvi. Não é normal que assim me falem e que assim os ouça. De que valia dizer-lhes que a velhice é um posto se a liderança não se fizer pelo exemplo. De que valia dizer-lhes que esta política afinal era a boa, se eles apenas ouvem gritar, discutir, ralhar, como se o que estivesse em causa fosse um concurso de desafinados sopranos ou tenores? Os miúdos e os jovens de hoje podem não saber ainda bem o que querem, mas sabem muito bem o que não querem. E alguns de nós, os mais velhos, já não conseguimos saber o que queremos e, por vezes, o que não queremos.

Se o mundo mudou, mudará muito mais e mais depressa nos próximos tempos. A nós, agrisalhados, cabe-nos ser sábios para entender a mudança. A eles, de olhos no mundo, ser pássaros. Voando. Regressando ao ninho, sempre que queiram, por boas causas e boa política.

Porque a política só fará sentido se tiver futuro. Mas a política só terá futuro se fizer sentido.

(nota: já com o texto escrito chegou-me a notícia da morte de Otelo. Não serei eu a pessoa certa para falar dele. Outros o farão. Mas a ele lhe devo uma parte do sonho. Como eu, muitos. Talvez nem ele próprio se apercebesse que entre sonhos e pesadelos a linha é ténue, demasiado ténue. Depois, para uns, continuou o sonho. Para outros, a utopia, os excessos, tudo o resto. Agora que parte, curvo-me perante a sua memória. E escolho o sonhador. Será esse que quero que fique comigo. Aqui, no lugar dos sonhos.)