Monte Gordo em agosto é o caos onde poderia ser o paraíso. O excesso de ocupação tem destes (d)efeitos.
Num restaurante de gastronomia tradicional de pratos à base de camarão, duas idosas degustam uma travessa de camarão frito com outros acepipes. São bem cuidadas, cabelo bem penteado, pintado, uma de louro seco, outra de castanho-escuro, unhas arranjadas, toilettes a condizer com as malas de senhora e os respetivos sapatos, ainda autónomas, alguns indícios de posses diria até perigosos de exibir em tempos de insegurança como os que se vivem atualmente, como um grosso anel de ouro que uma delas exibe. Bem-dispostas. Parte da sua conversa chama-me a atenção. Diz uma a determinada altura: “Acho que para órfã de mãe não me saí mal, amiga.” Responde a outra: “O mesmo digo eu. Também fiquei sem mãe e eu aos 12 anos e não fiquei atrás das outras!” “Nem eu”, retorquiu prontamente a morena “E sem tocar nunca no que me não pertencia”. Falas seguidas de risos aprovativos e orgulhosos.
Estas duas senhoras nonagenárias ainda com um gosto pela vida indescritível revelaram ser duas heroínas numa vida de agruras e dificuldades. Uma dessas desgraças que as afetara foi a perda da mãe, “Quando não sabíamos o que havia para comer”. Contudo, nunca o seu espírito combativo as deve ter abandonado, pois, sendo pessoas naturais do barlavento algarvio, viveram na capital e hoje passam férias desafogadas no sotavento. Dois exemplos da tenacidade, combatividade, força, determinação e honestidade do que é um bom português. Exemplos tão úteis registados em tempos afinal tão afastados e simultaneamente tão próximos.
Manhã seguinte, fuga ao caos habitual de uma praia sobrelotada para a sempre paradisíaca, e agora mais do que nunca essencial, tranquilidade da Praia Verde. Num grupo de seis jovens, a conversa sonora, apesar da possibilidade do afastamento que se realiza efetivamente, ouve-se clara e nítida. Um dos jovens rapazes apregoa uma proeza de praia do verão anterior, entre o descrédito que deveria ter dado a todas as indicações de restrições de prevenção do vírus, afinal trata-se, penso eu ironicamente, de uma simples pandemia. Conta que um destes vendedores calcorreadores de quilómetros de praia tentava propagandear anéis. O jovem chamou-o, pois queria comprar um a fim de o oferecer. Depois de questionado por uma das jovens do grupo a quem o ofereceria, respondeu que seria para a sua irmã… Descreveu a situação de exposição da mercadoria numa cadeira onde o jovem cliente se sentava. Este, de cada vez que um anel lhe agradava, fazia uma pré-seleção colocando-o afastado dos restantes na lateral da sua cadeira. “Consegui pagar um e ficar com mais dois escondidos debaixo do meu rabo, dei um à minha namorada e outro à minha mãe também!” Gritava orgulhosamente o pouco honesto cavalheiro como se de um ato de bravura e heroísmo se tratasse. Os outros cinco amigos, longe de se escandalizarem com semelhante atitude de esmifrar um miserável vendedor ambulante que incansavelmente calcorreava os areais para vender peças de pechisbeque ao desbarato com rendimento ínfimo e assim obter o essencial para a sua subsistência provavelmente mísera, aplaudiram tal conduta como se de uma batalha ganha contra os infiéis em tempos da Reconquista se tratasse. Lastimável…
Felizmente estes não são exemplos dignos da honestidade dos portugueses de hoje. Também felizmente os nossos jovens são, na sua esmagadora maioria, íntegros, empenhados, trabalhadores e excelentes exemplos do que é ser um português, não só em Portugal, como também representando-nos por esse mundo fora.
Dois casos que nos podem fazer refletir acerca de atitudes de pessoas bem díspares que ganharam anéis também muito diferentes.