Somos indecentes. Não merecemos o convívio que a natureza nos oferece com os animais. Mal tratamos gratuitamente seres indefesos que só nos dão em retorno amor e lealdade sem pedir nada em troca.
De algum modo repugnante e perverso, as pessoas que se dedicam à causa animal começaram a ser vistas como uma seita. Há dois motivos que justificam isso: em primeiro lugar a força dos lobbies, como ficou demonstrado pela mentirosa reportagem da TVI sobre a IRA (Intervenção e Resgate Animal), cuja estação e a jornalista Ana Leal foram condenados em tribunal; e a mentalidade tradicional dos velhos do Restelo deste país que, nunca fazendo nada por ninguém, acham que lutar pelos direitos dos animais é algo para quem não tem nada que fazer.
Não é. É uma das missões mais nobres que poderíamos assumir na nossa passagem pela terra. “Ao estudar as características e a índole dos animais, encontrei um resultado humilhante para mim” – Mark Twain percebeu isto no século XIX, mas em 2021 ainda há quem sinta prazer em humilhar animais.
Várias vezes escrevi que não existe no nosso país cultura de bem-estar animal, mas não me vou alongar sobre isso, focando-me em dois bons exemplos de como deveríamos sentir a vergonha que Mark Twain sentiu há mais de cem anos. Primeiro com o incêncio de Castro Marim que voltou a encurralar até à morte animais presos em abrigos ilegais, apenas um ano após a tragédia de Santo Tirso. Consta que o local era de conhecimento público, nomeadamente do veterinário municipal. Porque continuam a existir sítios como este?
Talvez a resposta esteja num dado que a maioria das pessoas desconhece – e que o cidadão comum alimenta por contributo directo ou omissão: o tráfico de animais de companhia fica apenas atrás do tráfico de armas e de drogas no ranking de negócios ilegais a nível europeu. Assustador, não é?
Para completar a mixórdia de acontecimentos completamente inexplicáveis aconteceu, a 26 de Agosto, uma homenagem ao cavaleiro João Moura. Foi em Fevereiro de 2020, há apenas um ano e meio, que o país ficou a conhecer a forma como este “apaixonado” pelos animais tratava os galgos que tinha em casa: as imagens mostraram cães esfomeados, mal-nutridos, em condições insalebres. Apesar do resgate, houve mesmo animais que morreram. Curiosamente, os galgos são animais muito procurados para corridas ilegais.
Ironia perversa, este é o homem que – ainda arguido por este processo – foi homenageado... no Dia Mundial do Cão. Tal como Mark Twain, sinto-me envergonhado e humilhado.