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19 OCT 2021
CRÓNICA | "Nos 100 anos da Seara Nova", por Adelino Pires
Por Jornal Abarca

Há 100 anos, precisamente no dia 15 de Outubro de 1921, era publicado o 1º número da Revista Seara Nova. Nascida de uma reunião na Biblioteca Nacional promovida no ano anterior com o intuito de elaborar um programa de acção política e social, integravam o seu corpo directivo, Aquilino Ribeiro, Augusto Casimiro, Faria de Vasconcelos, Jaime Cortesão, José de Azeredo Perdigão, Câmara Reys, Raúl Brandão e Raúl Proença. Dizia então esta plêiade de luxo, pretender “Renovar a mentalidade da elite portuguesa, tornando-a capaz dum verdadeiro movimento de salvação; Criar uma opinião pública nacional que exija e apoie as reformas necessárias; Defender os interesses supremos da nação, opondo-se ao espírito de rapina das oligarquias dominantes e ao egoísmo dos grupos, classes e partidos; Protestar contra todos os movimentos revolucionários, e todavia defender e definir a grande causa da verdadeira Revolução; Contribuir para formar, acima das Patrias, a união de todas as Patrias – uma consciência internacional bastante forte para não permitir lutas fraticidas”.

Contextualizando a época, vivia-se em plena 1ª República, saídos de uma I Grande Guerra com os estilhaços daí advindos. Tempos conturbados, acentuadas desigualdades sociais, analfabetismo e iliteracia. Para os seareiros, “...nenhum regime político de mentira e incompetência se pode manter sem que essa incompetência e mentira sejam as características dominantes da sua própria elite intelectual... Em democracia quem mente ao povo é réu de alta traição...”

A Seara Nova manifestava então o seu desconforto com alguma degradação republicana. António Sérgio que escrevera os Ensaios em 20, viria a juntar-se ao corpo directivo em 23, fruto do seu “...espírito mais lúcido, mais penetrante e mais sólido da moderna geração...”. Foi com Raúl Proença e até à campanha de Humberto Delgado uma das figuras proeminentes na estrutura de pensamento do grupo, tendo protagonizado algumas das mais acesas polémicas de então. Com Malheiro Dias, com José Marinho ou com Abel Salazar. O espírito seareiro foi, durante o Estado Novo, a base de uma consciência cívica na qual muitos beberam a sua formação. Sofreu as agruras da época. Logo em Julho de 1926, no seu número 94 o dístico “Visado pela Comissão de Censura” anunciava tempos difíceis. Interrompida a sua publicação em Agosto de 1926, veio a ser retomada 8 meses depois, em Abril de 27 com uma boa parte da sua direcção no exílio, António Sérgio, Raul Proença, Jaime Cortesão e Sarmento Pimentel.

Ao longo de várias décadas, a história da Seara Nova é também a história das figuras que a integraram, das polémicas que alimentou, dos conturbados períodos que atravessou. Da fundação aos anos 40, onde António Sérgio e Raúl Proença emergiram, ressalta a preocupação da denúncia das correntes ideológicas de extrema-direita da época (Integralismo Lusitano e Cruzada Nun’Álvares). Com a saída de Sérgio em 39 e até à campanha de Delgado em 58, mantém uma participação autónoma no MUD e noutros movimentos cívicos, onde Câmara Reys assume um protagonismo de relevo, assumindo-se a partir da década de 60, como revista de resistência antifascista, com reposicionamentos vários após Abril de 74.

Um século é muito tempo. Pelas páginas da Seara Nova passaram dezenas de nomes incontornáveis do pensamento e da cultura. Adolfo Casais Monteiro, Agostinho da Silva, Antero de Quental, Manuel Teixeira-Gomes, Alves Redol, Afonso Duarte, José Régio, João Falco (Irene Lisboa), Vitorino Nemésio, José Gomes Ferreira, José Rodrigues Miguéis, Fernando Namora, Carlos de Oliveira, Vergílio Ferreira, entre tantos outros. Por ali foram esgrimidas, para além das de Sérgio, algumas das mais acesas polémicas de então. Entre Raul Proença, Ferreira Monteiro e Agostinho da Silva, ou entre Régio e Álvaro Cunhal a propósito das “cartas Intemporais” de Régio.

Falar da Seara Nova seria falar também dos períodos que politicamente a marcaram, das amizades desavindas, da invulgar longevidade, do seu papel doutrinário, do que tanto tantos lhe devem. Falar da Seara Nova não cabe numa crónica de jornal. Também por isso voltarei à Seara. A quem devo parte do que sei e do que sou. Às capas de Leal da Câmara. Aos caderninhos dos anos 30. Aos contos de Aquilino Ribeiro. Às cartas de Jaime Cortesão. Às polémicas. A tanto.

Passou um século. Passou um ano. Agora que assentou a poeira, agora sim, vamos ouvir falar dela. Duma Seara, velha, mas sempre Nova.

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