Se é mesmo o que parece, talvez o pior tenha passado. Pelo menos de momento. Seja como for, já comecei a esvaziar gavetas. As tais onde o confinamento me obrigou a amontoar mentalmente, o que vi, ouvi, li e pensei meses a fio, feito monge sem celibato garantido. Talvez quem me leia, coincida em concordar que não foi fácil ter conseguido concentrar a síntese da antítese. Por um lado, tentar esperar que melhorassem as estatísticas e percentagens, que as apocalipses diárias de impotência não fossem verdade. E ao mesmo tempo, aguentar a mantilha profundamente estúpida dos profetas que negavam o empilhar de mortos a conta-gotas, só uma gripezinha ou tudo uma mafiosa jogada de laboratórios. Depois, a hecatombe a que nunca pensei assistir: a confusão de baratas reais que paralisou governos, políticas e políticos, tribunais, jornais, entrevistas com quem dissesse hoje, sim e amanhã, não; a confusão de não saber o que fazer, dizer, informar. Pensei bastante na ironia balzaquiana - admitir que só havia duas leis vigentes - a da gravidade e a do magnetismo. O resto, cova e cremação com o bicho humano. Hinos, hinos, cantares de glórias alcandoradas, esborrachados pelas antenas de um vírus, quem diria. Desde quando se duvidou, com razões de fartura, que na Inglaterra, “Deus salvasse a Rainha”; que na França, “o dia da glória, chegasse aos filhos da pátria”; que “os proletários soubessem afinal a cola que os ia unir”; que o “clamor dos nossos egrégios avós precisava de pastilhas para a garganta”, sim, quem diria, Deus nos ajudasse. Por falar nisso, que falta faz João Paulo II - agora, sempre que deito os olhos para o Vaticano, só ouço compassos de Piazzolla. Mas, adiante. Não foi pouco o que tirei das “gavetas” - nunca esperei tanto. Fragmentos de um painel de que lhes deixo restos.
O ADN de países da UE.Rádio francesa, ORTF, uma companhia habitual dos meus serões. Desta vez, debates na Sorbonne, Universidades de Bruxelas e de Genebra - filologistas, gramáticos, literários, psicólogos, historiadores a tentar filtrar e acertar os critérios que possam definir a “herança histórica”, “a identidade centenária” do nome de cada país membro da UE. Acordam em que têm que ser: A. Países que usem um só nome (excluindo o nome oficial da forma de Estado, ou seja nada de “República de” ...; “Reino de...”); B. que seja usado o nome, no idioma do próprio país e não o nome em inglês ou francês (por exemplo, o reino da Holanda ou dos Países Baixos, - Koninkrijk der Nederlande), só pode usar “Nederlanden”, como é conhecido usualmente pelos seus nacionais); C. Que são critérios muito valorativos, usar o maior número de letras, (e dentro destas, as vogais) sem qualquer duplicação ourepetição e D. desde quando esse nome foi conhecido, divulgado, usado. E não era nenhuma quermesse nem jogo de salão - os estudos eram a sério, vinham de longe, faziam parte de um opúsculo “Les racines des noms des Pays Membres de lume”, mas ainda sem nenhuma conclusão precisa, talvez por pressão de interesses políticos. Algumas conclusões apontavam para a Alemanha ser candidata a vencedora - DEUTSCHLAND = 11 letras, com 3 vogais, 8 consoantes, nenhuma repetição, Mas temos a Irlanda (IRELAND= 7 letras, 3 vogais, 4 consoantes); Lituânia (LIETUVA = 7 letras, 4 vogais, 3 consoantes); Noruega (NORGE= 5 letras, 2 vogais, 3 consoantes); França (FRANCE = 5 letras, 2 vogais, 3 consoantes), Finlândia (SUOMEN= 6 letras, 3 vogais, 3 consoantes), etc. Itália, Espanha, Áustria, Dinamarca entre outras, repetem letras, logo estão excluídas. O mesmo se passa com a Inglaterra por força do BREXIT. E quanto a nós? Ora, o costume: talvez medalha de cobre ou diploma de participação: PORTUGAL= 8 letras, 3 vogais, 5 consoantes. Mas há um pequenino detalhe a nosso favor: com maior ou menor discussão, Portugal é assim designado e aceite, desde 1128, após a Batalha de S. Mamede, em que Afonso Henriques vence, exila a mãe e declara o reino de Portugal, acabando com o Condado Portucalense. Os historiadores que definam as datas, quanto aos outros membros da EU.
BICHOS. Fartaram-se de ladrar, miar, uivar, crocitar, zurrar, abarbatar correntezas, subir e descer serranias, apardalar, osgar, esfarrapar asas, sapear barrigas por riachos e pedras escondidas. Nunca me falham. ATORGARAM-SE.
UM PENTÁGONO POR ENTENDERÉ muito cedo para passar de simples clipes de passagem, não quero cometer crime de lesa-majestade contra quem melhor conhece e estudou. Mas não consigo vencer o fascínio do pentágono formado por Torres Novas, Alcanena, Santarém, Caldas da Rainha, e, claro, Tomar. Ao longo dos anos, continuo a sentir duas cidades “paradas”, princesas adormecidas, à espera sabe-se lá de quê - Santarém e Torres Novas. Uma capital de arte e de museus, talvez a mais abundante e rica, fora do eixo Lisboa e Porto? Só pode ser Caldas da Rainha. Uma força jovem, vibrante, generosa, interessada, com ideias e genica muito próprias, a destacar-se cada vez mais, malgrado a crise de curtumes - Alcanena. E finalmente, o críptico e demasiado silencioso grão-mestre templário, onde as demais cidades e terras ainda prestam um certo tipo de temor reverencial - Tomar. A seu tempo, voltarei a dizer o que sinto. Mas ainda tenho outra ponta geométrica para desvendar, que talvez crie um hexágono - Mação. Desamarre o Cavalo, leitor. Já na linha abaixo.
UM CAVALO QUE RELINCHA HÁ 20.000 ANOS.Mesmo de longe, soube agora que no Vale do Ocreza, se confirma o que há cerca de 20 anos era rumor: a existência de diversa e milenar arte rupestre, concretamente o “Cavalo do Ocresa”, com talvez 20 mil anos, fora dezenas de gravuras nas rochas junto ao rio, afluente do Tejo. Se assim é, situem mentalmente, no Norte, Vila Nova de Foz Coa (Douro) e a Sul, o Vale do Ocreza (Tejo). O mesmo fenómeno de seguir instintivamente o curso de água (e não nas paredes de uma gruta), e dar largas a uma arte de cunho anímico-religioso, de posse visual, de transposição de sentimentos e movimentos permanentes, milhares de anos atrás, mas numa área relativamente pequena? Ou terão sido fenómenos independentes? Venham os senhores peritos e expliquem. E Senhora Ministra de Cultura, faça alguma coisa que lhe justifique o salário e corte de cabelo, crie um Parque Nacional, coloque tudo em regime de património público. PS - Só faltaria o Mondego e o Guadiana terem também arte rupestre. Já pensaram, termos 4 rios pré-históricos “gravados”? Portugal é realmente um país único!
POESIA Há quem não goste de ouvir, mas há alguma verdade nisto: “um dos piores dramas de qualquer poeta, é ser admirado, por ser mal-entendido” (Jean Cocteau). A bom entendedor…
IRONIA Dizemos, na maior descontração, que Leonardo da Vinci, Shakespeare, Mozart, Beethoven, Goethe, Newton, Mahler, Einstein, Chaplin foram génios. Imortais de pleno. Mas a Academia Francesa, a Academia Brasileira de Letras, as 8 Reales Academias Españolas, etc. começam por eleger logo os membros, ou seja, são “imortais por nomeação”. E só depois, passam a “de pleno”. Traduzindo - “imortal” mesmo, só depois de morto.