Depois de deixar a minha neta na escola, dei comigo a recordar-me naquela mesma idade.
Que Primavera maravilhosa aquela! Tinha um namorado que trajava capa e batina, passeávamos no jardim, esperava-me na esquina de Terreiro do Trigo, escrevi dezenas de poemas e pelo aniversário deu-me um grilo numa gaiola.
A explosão da adolescência foi assim de repente e em pleno esplendor.
Os poemas não sobreviveram ao humor ácido do meu pai e queimei-os. Arrependo-me.
Meus pais, acompanhados da mana e da tia Pepa, foram buscar-me, ao final da tarde. O namorado seguiu o carro até mais não poder e ficou-me gravada a sua absoluta tristeza, os olhos negros com um luto, a capa escorrendo pelos braços impotentes, a capa negra também de luto.
Passada a Lagoa do Furadouro, depois de uma série de curvas encaracoladas e ensarilhadas umas nas outras, a mana enjoou. Meu pai parou no descampado, a mana refrescava…
O grilo fugiu!
A lua derramava prata sobre o sossego da noite, o silêncio da paisagem misteriosa. Meu pai de gatas pelo alcatrão recuperou o grilo.
No final daquela Primavera gloriosa só se salvou o grilo. Eu e a capa e batina chumbámos.
Minha mãe, que detestava prisões, aconselhou-me a soltar o grilo, mas todas as Primaveras há um grilo que me faz serenatas sob a janela do meu quarto tocando o seu contrabaixo antiquíssimo.
Nunca mais tive catorze anos.
“Ocaso”
Virás
Ao meu jardim de ocasos
saborear o acordar do mundo,
os dias a abrirem em madrugadas lilases
sob um caco de lua,
o espreguiçar das folhas,
os pássaros timidamente pipilantes
na frescura branda
E como dantes
havemos de dar as mãos
e caminhar
pela ourela da vida
até ao fim do espanto….