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10 NOV 2021
A história da RARET que inspirou "Glória", a primeira série nacional da Netflix
Por Jornal Abarca

A série “Glória” estreeou no dia 5 de Novembro na plataforma Netflix e, rapidamente, atingiu a liderança dos conteúdos mais assistidos em Portugal. Não é para menos: esta é a primeira produção da gigante multinacional de streaming gravada em solo português. E logo aqui ao lado, em Glória do Ribatejo.

A trama conta a história de João Vidal, filho de um alto dirigente do Estado Novo, recrutado pelo KGB, a polícia secreta de Moscovo, que vai trabalhar infiltrado para a emissora RARET: “Em 1968, espiões, mentiras e segredos prosperam em Glória do Ribatejo, Portugal. Um privilegiado engenheiro da Radio Free Europe toca todos os lados da Guerra Fria”, é assim que a Netflix apresenta a premissa da história.

 

MAS, AFINAL, O QUE FOI A RARET?
O enredo criado pela Netflix parece uma fantasia impossível de ter acontecido num país que se manteve aparentemente neutro na II Guerra Mundial e que procurou fugir aos conflitos da décadas seguintes, nomeadamente a Guerra Fria. É até provável que nunca tivesse ouvido falar na RARET. Mas o contexto histórico é real: entre 1951 e 1996, a partir de Glória do Ribatejo, a RARET (Rádio Retransmissão) colocava no ar a rádio Free Europe (Europa Livre), e servia para emitir propaganda ocidental para os países do bloco de leste para assim combater o comunismo. A RARET difundia notícias, programas e músicas que estavam proibidas na Europa do Leste.

Por trás desta ideia esteve, naturalmente, o lado oposto à URSS nesta barricada: os EUA. A data de inauguração da RARET não poderia ser mais sugestiva: 4 de Julho, Dia da Independência dos EUA. O objectivo passava por levar as populações destes países a revoltarem-se contra o domínio comunista. Inicialmente as emissões decorreram a partir de Munique, na Alemanha, mas pela localização próxima da área controlada pelos soviéticos, estes conseguiam interferir nas comunicações. Foi assim que Portugal, país mais a oeste na Europa, surgiu como solução natural.

Salazar queria manter a máscara de aparente neutralidade de Portugal no conflito – tal como fizera na II Guerra Mundial -, e não era propriamente um defensor das liberdades e costumes norte-americanos, basta pensarmos que apenas em 1977 a Coca-Cola entrou em Portugal. Mas, acima de todas as convicções, havia uma para o ditador português: era um acérrimo anti-comunista. E, também por isso, apesar da tal máscara de neutralidade, Salazar era mais próximo dos EUA. Assim, deu a mão aos americanos nesta batalha da guerra.

Os EUA enviaram então um emissário, Gregory Thomas que, com a ajuda de Ricardo Espírito Santo, avô de Ricardo Salgado, avançou para a compra da Herdade de Nossa Senhora da Glória que tinha sido colocada à venda pelo Conde de Monte Real. Os 200 hectares de terreno, numa pacata localidade no meio do Ribatejo, mas perto de Lisboa, pareceram reunir as condições ideais e convenceram o emissário norte-americano.

Foi assim que os países do Bloco de Leste, como Bulgária, Checoslováquia, Hungria, Polónia ou Roménia, começaram a receber propaganda do Ocidente. A partir de 1960 a RARET emitia para todos os países sob influência soviética.

Enquanto esteve a operar no concelho de Salvaterra de Magos, a RARET nunca foi um elemento do submundo, sendo inclusive um importante pólo de desenvolvimento daquela que, na altura, era uma pequena aldeia rural. Além do emprego que gerou, a RARET ofereceu à população o acesso a luz eléctrica, água canalizada, saneamento básico, o asfaltamento da actual Estrada Nacional 367 (que liga Glória do Ribatejo a Marinhais), uma escola, uma maternidade, um bairro residencial para os trabalhadores, um campo de futebol, uma piscina, além da doação de terrenos para a construção da Casa do Povo e do edifício da Junta de Freguesia.

 

O QUE É FEITO DA RARET?
Precisamente pelo apoio que era dado à população, e pela importância na terra, o Movimento das Forças Armadas, assim como os governos vindouros, não interferiram na RARET após o 25 de Abril, permitindo que a mesma continuasse a operar sem criar qualquer entrave.

Ao contrário do que a série sugere, nunca se verificou a existência de infiltrados na RARET. Ainda assim, na véspera da visita do presidente dos EUA Ronald Reagan a Portugal, em 1985, houve um atentado à bomba nas instalações, que não causou vítimas, sem que nunca se descobrisse os autores.

Apesar de a URSS se ter dissolvido em 1991, apenas em 1996, pela mão do presidente Bill Clinton, a RARET foi extinta, A Junta de Freguesia da Glória do Ribatejo vendeu os materiais como sucata, as bobines foram para os EUA e as instalações ficaram devolutas. Ainda assim permanecem.

Para conhecer melhor a história da RARET, que é também parte da história de Portugal e do nosso Ribatejo, nada melhor que assistir a “Glória”. A série é realizada por Tiago Guedes, tem argumento de Pedro Lopes, e conta no elenco com nomes como Miguel Nunes, Joana Ribeiro, Vitória Guerra, Inês Castel-Branco, Albano Jerónimo, José Afonso Pimentel, Pêpê Rapazote, Ana Sofia Martins, Sandra Faleiro, Rita Durão, ou Adriano Luz.

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