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15 NOV 2021
OPINIÃO | "Compotas Outonais", por Armando Fernandes
Por Jornal Abarca

Onde há frutas há compotas é uma verdade do Senhor de La Palice, no entanto, nem todas as compotas revelam as mesmas qualidades organolépticas, ou seja: suculências sápidas, com maior ou menor quantidade açúcar, proveniente da sua cozedura. As compotas foram evoluindo ao longo dos séculos muito de acordo com a qualidade das matérias empregues, matérias-primas açucaradas, pontos de açúcar na sua confecção e conservação como as Mestras cozinheiras e os confeiteiros sabem, elas porque teimam em manter as práticas herdadas e passadas de geração em geração, eles na pujante e pendular competição de criar e inovar neste domínio que não é tão fácil assim, se o fosse não persistiam fórmulas secretas as quais fidelizaram e fidelizam marcas e clientes como está demonstrado em centenas de obras e receituários de inúmeras procedências daqui e de além-mar a Oriente e Ocidente, sendo as orientais influenciadoras do tesouro doceiro português.

O galego e emérito investigador gastronómico Pepe Iglésias afirmou (escreveu) ser o Outono a estação melhor e mais rica em frutas destinadas a serem elemento principal de compotas. O prolífero autor enumera as espécies outonais de maior prestígio na sua amada Galiza em particular e modo geral em Espanha. E por cá, pelo Ribatejo? Antes de outras considerações trago à colação o admirável poeta Fernando Echevarría falecido há poucas semanas que escreveu: «Outubro é como um licor. Cintila». Tais cintilações multicolores podem ser observadas perscrutando pomares, vinhas acabadas de vindimar, árvores das quais se desprendem fruto maduros, rotundos, a solicitarem dentes e lábios sedentos de sumos a escorregarem pelas comissuras dos lábios.

Do Novo Mundo destaco o tomate na qualidade de elemento primacial de óptimas compotas.

Apresentado num leque abrangente formulações culinárias (sopas, saladas, arrozes, massas, pastelões, empadas, omeletas, pizas, picantes de múltiplas expressões) o tomate ganhou o galardão de legume, embora seja um fruto. Nos finais do século XV, e início do século XVI alegrava as casas e conventos italianos na categoria de planta ornamental e assim irradiou por toda a Europa. Hoje pode ser considerado fruto estratégico nesse segmento.

Do Oriente entre várias referências escolho o pêssego enquanto paradigma de compota capaz de inebriar o asceta devoto e exegeta do não adoçar o palato de modo nenhum porque a sua regra a isso o obriga, determina.

O pêssego tem uma história milenar, as suas qualidades vitamínicas são múltiplas e, para além das compotas é muito utilizado na categoria de saladas de frutas, de guarnições de várias receitas de peixes e carnes, para lá da sua importância no sector da pastelaria, sorvetes e gelados.

A compota de pêssego até aos anos setenta do século passado animava lanches e merendas breves, uma ou duas fatias de pão e as crianças em idade escolar ficavam (as que podiam) assim alimentadas até ao jantar ou ceia. As compotas de pêssego (bem como outras) misturadas com água fresca dessedentavam as mulheres empenhadas nas árduas tarefas campestres e domésticas do seu quotidiano. A generalidade dos homens seja dos meios rurais, seja dos círculos urbanos concediam primazia ao vinho pois no entendimento dos bebedores o vinho concedia maiores energias, não por acaso no regime salazarista imperava o anexim: «beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses».

As compotas «caseiras» foram perdendo importância dadas as alteridades ocorridas no «universo» do sistema laboral, por outro lado ao desenvolvimento da indústria dos alimentos e bebidas sofreram enorme desenvolvimento levando a que compotas e marmeladas de cariz artesanal vão definhando à medida do desaparecimento das pessoas mais idosas, umas porque foram confinadas aos lares, outras em virtude da velhice associada às doenças e maleitas por ela originadas levaram (levam) ao apagamento da memória e vontade. As excepções não passam disso mesmo. São estas excepções que ainda vão animando e preservando as tais memórias da memória!

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