Sobre as eleições autárquicas realizadas a 26 de Setembro, já se disse quase tudo e já se escreveu praticamente sobre todos os aspectos da contenda eleitoral. Trata-se, obviamente, de um ritual: a que uns se prestam de forma mais incisiva do que outros; e onde os principais temas que são discutidos tendem, curiosamente, a ser os mesmos, cada ciclo de quatro anos.
Nesta crónica estamos particularmente interessados em abordar a questão dos programas eleitorais que as várias listas concorrentes, em diferentes localizações apresentam. Não visaremos nenhuma situação em concreto. Embora seja óbvio que nos debruçamos principalmente sobre as situações que conhecemos melhor.
Na sua grande maioria os programas eleitorais autárquicos são um misto de fantasia e delírio. De acordo com esses programas o “desenvolvimento” do lugar a que se aplicam é infinito. Todos os quatro anos surgem novas ambições de desenvolvimento que irão recolocar o lugar na posição que (a História, a Localização, a Imagem, etc.) impunha que estive e (sabe-se lá porque!...) não está.
A leitura dos tais programas eleitorais feitos de fantasias e delírios tanto dá vontade de chorar como de rir (ou melhor ainda dão vontade de chorar de riso).
E é aqui que entra o parafuso de Arquimedes. Este termo não tem um grande uso em Portugal. É usado principalmente pelos anglo-saxónicos – que deste modo homenageiam o inventor de uma daquelas coisas sem a qual o mundo, como o conhecemos, não seria seguramente o mesmo.
Já se percebeu, como o próprio nome indica, que o parafuso de Arquimedes foi inventado por Arquimedes (existem na Internet belíssimas explicações sobre esta invenção, para quem desejar aprofundar o assunto).
Em Portugal o termo usado para definir o parafuso de Arquimedes é “sem-fim” ou parafuso sem-fim (sendo que também há quem use, mas em menor escala, o termo “eixo helicoidal”). A nós, nesta crónica, o que nos interessa é o termo “sem-fim”, porque é este que mais perto está conceptualmente dos programas eleitorais autárquicos, já que estes todos os quatros anos se reinventam e encontram temáticas sem-fim, desde há mais de quarenta anos.
A principal característica do sem-fim é que ele dá a ilusão de que nunca para, que não tem fim. Assemelhasse a ele, neste particular a imaginação dos candidatos e os seus programas eleitorais.
A fazer fé, menos nas promessas e mais nas certezas, será sempre nas eleições que vão ter lugar e com aquele programa eleitoral que se irá por fim a qualquer coisa que teve um princípio e foi diagnosticada como não tendo ainda um fim.
O parafuso de Arquimedes, que quando actua parece de facto não ter um fim afinal só tem um: resolver problemas; coisa que a interminável sucessão de programas eleitorais das últimas décadas parece não conseguir fazer, a aferir pelo rol de promessas que são feitas a cada quatro anos nas eleições autárquicas e que se figura não terem elas um fim, para além da figura de estilo e de uma tradição que se foi impondo.
P.S. O meu amigo Adelino Pires escreveu no jornal O Almonda, a propósito da disputa eleitoral em Torres Novas, uma crónica em que defende que os portugueses deviam ser obrigados por lei a votar. Apesar de bem vestida e elegante a tese é perigosa para a Democracia e sobretudo para a Cidadania. Dedicarei um dia destes, aqui em abarca, uma crónica a esse tema -que, também ele tem o seu quê de parafuso de Arquimedes ou dito em português, tem o seu quê sem-fim.