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20 DEZ 2021
OPINIÃO | "Agora é Natal...", por Adelino Pires
Por Jornal Abarca

Passou mais um ano. Comecei por escrever no limite. No ano da Seara, que de nova se fez velha e era suposto que nova se tornasse. Mas a memória é curta, o tempo passou e dos velhos Cortesão, Sérgio e Proença, apenas uma lágrima, sem sinais de uso ou vestígios de ódio. Razão tinha o Gedeão, esse alquimista da palavra. É muito curta a memória. Era Fevereiro. Os livros fechados a sete chaves num país de sol, de campo e de mar. Alguém se lembra? Seguiu-se Março. Com ele o vazio. Os lugares vazios de uma figura maior. A voz muda de quem apontava caminhos. A escrita naif de profundas raízes. A sabedoria. A falta. Isso. Tinha partido o Joaquim Santana.

Depois, depois fui divagando e escrevendo. Sobre a Eutanásia, um dos assuntos que queimam. As mãos de quem escreve, a mente de quem pensa, a consciência de quem decide. E que, como tal ainda não estão decididos. Sobre política. Este ano escrevi muito sobre política. Do seu sentido ou da falta dele. E ouvi muito os mais novos. Recordo o que disse. “... Não é normal que assim me falem e que assim os ouça. De que valia dizer-lhes que a velhice é um posto se a liderança não se fizer pelo exemplo. De que valia dizer-lhes que esta política afinal era a boa, se eles apenas ouvem gritar, discutir, ralhar, como se o que estivesse em causa fosse um concurso de desafinados sopranos ou tenores? Os miúdos e os jovens de hoje podem não saber ainda bem o que querem, mas sabem muito bem o que não querem. E alguns de nós, os mais velhos, já não conseguimos saber o que queremos e, por vezes, o que não queremos. Se o mundo mudou, mudará muito mais e mais depressa nos próximos tempos. A nós, agrisalhados, cabe-nos ser sábios para entender a mudança. A eles, de olhos no mundo, ser pássaros. Voando. Regressando ao ninho, sempre que queiram, por boas causas e boa política...”

Foi um ano duro. O ano em que, entre tantos outros, partiu também um dos melhores. Chamei-lhe príncipe. Causou algum desconforto aos republicanos mais ortodoxos. A língua portuguesa é muito traiçoeira, mas a mente humana por vezes é bem pior. Recordo-o. “... Não sei se Antero inspirou Sampaio, se nas suas raízes se terão tocado ou se a ruivez de ambos lhes regou o instinto. Se na ancestralidade se terão cruzado. No segredo dos deuses. Ao olhá-los, sinto-lhes o traço, pressinto-lhes o rasgo, talvez mais do que isso. Imagino-lhes as lutas, as mesmas lutas, mesmo que outras lutas. O príncipe partiu. Na semana dos cento e trinta anos da morte de Antero...”

Continuei por aí. E ainda houve tempo para lembrar um tal José de São João do Peso, perto daqui afinal, que cedo se foi até a uma Lisboa onde despontavam os táxis, guarda sinaleiros, engraxadores, gente pronta a uma vida melhor. Ali, em Arroios, frente ao chafariz de abastecer o gado e também as gentes, que por aqueles tempos ainda era assim, que por ali ficou e por ali cresceu. E se fez o Cardoso Pires, Hóspede de Jobdos Caminheiros e Outros Contos, do Delfim, e de tantos outros. Mas agora é Natal...

 

Olha, Pai Natal

Este ano não quero prendas.
Não quero jogos, nem música,
não quero jóias, nem roupas,
nem sequer vou viajar.

Não te quero cá, pai natal.
Quero antes que dês
mimos a quem precisa,
calor a quem tem frio.

Que faças rir quem não sabe,
ou pelo menos sorrir.
Que sintas o que faz falta
à gente que nada tem.
Que ouças o que tem para dizer
a gente que nada diz.

Olha, pai natal
Olha para esses olhares
que escondem mais do que mostram
que calam mais do que falam
e mesmo assim quase riem

Não, pai natal,
este ano não te quero cá,
vais ter tanto que fazer...

(poema escrito em dezembro de 2010, mas que poderia ter sido escrito hoje...)

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