Estamos a atravessar tempos de pandemia, pandemia sanitária e pandemia mental. Mental. A praga ameaçadora da nossa saúde e existência tem sido pretexto para vários géneros de bizarrias desde as vaidosas às de contumácia política e comunicacional, passando pelas tenebrosas de boatos tão danosos quanto um guisado polvilhado de arsénico servido com intenção não de debastar a cabeleira da vítima, sim a de a pouco-e-pouco o efeito ser igual ao da maléfica pandemia, ou seja: enviar desta para melhor o ou a criatura bebedora da zurrapa venenosa.
Não sabemos e nunca vamos saber quantas mortes resultarão da maligna doença, seguramente, centenas de milhões, porém a pandemia mental está a afectar toda a Humanidade em geral, os portugueses em particular.
Vários cientistas e especialistas de múltiplas valências têm alertado para o problema, no entanto, os sinais de fogo (leiam o livro com este título de Jorge de Sena) só quem os analisa se preocupa, a generalidade da população prefere a farândola diária à reflexão. As denominadas elites participam no forrobodó pois a maioria dos protagonistas aufere lucros de diversos matizes.
Vejamos alguns sinais desse fogo, recordemos o inferno de Dante e os quadros de Pieter Bruegel, façamos o sacrifício de estar uma tarde e uma noite inteira a cirandar de canal em canal televisivo na esperança de João Rendeiro só merecer três minutos de atenção, o tempo concedido ao burlão pela CNN Portugal ultrapassou todos os limites a denunciarem o ridículo informativo do canal rotulado de inovador, os enredos de Jorge Jesus quatro e as promessas dos cortesãos socialistas cinco. Não encontramos. A nuvem pandémica mental cobre o firmamento ora recheado de asteróides em corrida a fazer esquecer as da Fórmula 1.
Todas as semanas a máquina não do tempo, sim do ópio noticioso e bastardo entretenimento, substituiu o ópio denunciado pelo marialva Karl Marx (Carlos Marques na imprensa da oposição a fim de enganar os esbirros da PIDE), produzindo alienações pandémicas a atrofiarem a sanidade de miúdos e graúdos, desde os cinco anos (idade recomendada para a vacinação) até aos 99 anos de idade, os quais têm a sorte ou o azar de ainda permanecerem no Ocidente da vida.
A cacofonia mental avança no quase triunfo da normalização rasteira, a geração rasca ganhou idade, deixou sementes de violência expressas nas desordens combinadas através da «sacra» Internet, o gozo é partir e vandalizar tudo, incluindo os queixos dos zaragateiros vindo de longe ou de perto, estudiosos dos seus direitos, analfabetos militantes dos seus deveres, mas muito lestos a gritarem e recitarem a vulgata dos direitos humanos quando a Laranja Mecânica (vejam o filme) se abate sobre eles.
O tempo do Feiticeiro de Oz e da Branca de Neve (símbolo da pureza) já se perdeu há dezenas de anos, de resto os arautos do neutro proclamam o fim das diferenças, as mulheres e os homens passaram à condição de balões vazios de conteúdo singular, de personalidade gerada na família, na escola, na sociedade.
A agressiva campanha contra a memória específica dos povos colonizadores e colonizados prossegue, pessoas estrangeiras bem acolhidas na Pátria portuguesa a ponto de lhes conceder a honra de passarem a usufruir do estatuto de nacionais mal conseguem o almejado passaporte desatam a esbracejar e vociferar contra o nosso passado, chegando a defenderem a vandalização dos elementos constitutivos da nossa identidade ante a passividade das autoridades policiais e judiciais.
Neste dealbar do Ano Novo (votos de felicidades para os restantes leitores e para aqueles que com imenso esforço conseguem pensar e produzirem este jornal), não vislumbro remédio ou vacina capaz de erradicar a pestífera moléstia mental, as redes sociais alicerçam o meu pessimismo, de qualquer modo e forma, vou continuar a resistir escorado nos meus queridos amigos – os livros –, além de não pedirem nada em troca dos seus conselhos e ensinamentos, nas horas aziagas a regurgitarem lembranças do passado conseguem-me aquietar a anima e aceder ao tal Sinal, o do sol quando as nuvens o encobrem. Saber interpretar o escondido Sinal é trabalho nunca concluído assim o intui através dos amados livros. A obra O Homem Sem Qualidades, de Robert Musil é fonte de ensinamentos a fim de abstrair-me do som dos chocalhos do rebanho silencioso dos inocentes cujo pastor reboludo de inqualidades veiculadas pelo vento do facilitismo apressado pois pensar dá um trabalho dos Diabos!
Auspicioso Ano Novo.