Escrevo estas linhas poucos dias após a data em que o meu avô materno faria 101 anos. Lembrei-me de reler o texto que lhe dediquei na data do seu centenário e que, modéstia à parte, sinto como das coisas mais bonitas que já escrevi.
Não preciso que seja Natal para me relembrar do avô Manel e da avó Natércia, que partiram ambos antes de eu ser gente. Mas o Natal é, para mim, a família. E nesse cenário que transporto para a vida os meus avós maternos são a minha referência.
Nesses dias longínquos, que nunca mais serão iguais, o Natal enchia-se de cor, magia e amor. As prendas, que para as crianças de hoje parecem ser a essência da época, a mim sempre me disseram pouco. O que eu queria era diferente. Era chegar às Lapas e ver os sorrisos da família encherem a sala, os gritos tomarem conta do espírito e as brincadeiras invadirem o ambiente.
Queria adormecer no sofá que os meus avós tinham debaixo do vão da escada, quase sempre acompanhado por um dos primos mais velhos. Aquele aconchego nunca mais o senti nestes dias.
No topo da mesa estava o meu avô, cujos pequenos olhos não deixavam ver a felicidade que lhe enchia a alma. Hoje eu sei, que ali era mais feliz do que alguma vez poderei entender. A minha avó era incapaz de estar parada. Sempre de um lado para o outro, a querer ajudar todos. Estava sempre presente, como continua a estar. Era mais expressiva e o sorriso largo denunciava a sua felicidade.
Nos dias seguintes eu ficava por ali. Gostava de acordar cedo, descer a Banda-Além, ver o rio, aproveitar o sol de inverno, falar com as pessoas. Estar com eles, os meus avós.
Fernando Pessoa escreveu, no poema Aniversário, de Álvaro de Campos, que “No tempo em que festejavam o dia dos meus anos / Eu era feliz e ninguém estava morto”. Essa noção de que a vida será sempre aquele cenário que vemos em criança, faz com que sejamos felizes sem o sabermos.
Mas, de algum modo, eu sempre soube. Para mim a felicidade sempre foi estar junto dos que mais amo. E sempre vivi com a noção de que um dia iria ser Natal sem os meus avós. Só não sabia que seria tão diferente, como se o Natal já não fosse tão Natal.
A mesa agora é mais pequena. Ajustamo-nos, para que haja um conforto de sabermos que cumprimos um ritual. Mas há algo que faz falta e não volta mais: os olhos pequenos cheios de alegria e o sorriso largo a sarapentear pela casa. Sem (a)vós, nunca mais será igual.