Quando eu sonhava e lembro-me de sonhar ainda criança, naquela época em que me contavam histórias para adormecer ou na falta de quem mas contasse as inventava. Tinha o horizonte todo aberto à minha frente. E o horizonte para mim era o mar infinito até lá bem longe onde se confundia com o céu.
À medida que a idade avança, o horizonte vai estreitando. Vai ficando apenas uma nesga de céu no fundo da imaginação.
Ah! E as pessoas! Uma multidão.
A multidão definha, raros os conhecidos, dói a ausência nas comemorações familiares. Dói.
Janeiro não me alegra grandemente. Em Janeiro, faz vinte e cinco anos, partiu-se o pilar mestre da minha família e foi o acontecimento mais infeliz da minha vida adulta. O primeiro. Minha mãe partiu. Tresmalhou-se a família. E levou com ela a possibilidade do sonho.
Não. Não é a velhice que não me deixa sonhar, é a ausência de quem comigo comemore as minhas vitórias, me ofereça o ombro sempre certo nas derrotas dos meus sonhos.
Ninguém sonha sozinho. Ninguém sonha sem aplauso, sem plateia. A vida é um palco.
Claro que a gente vai fingindo, vai ignorando o espelho, a dificuldade em andar, a falta de visão, a saudade, a dor. A gente vai fazendo de viva, como se o horizonte fosse ainda o mar aberto até se confundir com o céu. Mas não é nada disso. O drama é outro, de outro autor, os actores é que já são outros, mudaram por dentro definitivamente, num momento qualquer dolorosamente intenso.
"Quando Eu Sonhava
Quando eu sonhava, era assim
Que nos meus sonhos a via;
E era assim que me fugia,
Apenas eu despertava,
Essa imagem fugidia
Que nunca pude alcançar.
Agora, que estou desperto,
Agora a vejo fixar...
Para quê? - Quando era vaga,
Uma ideia, um pensamento,
Um raio de estrela incerto
No imenso firmamento,
Uma quimera, um vão sonho,
Eu sonhava - mas vivia:
Prazer não sabia o que era,
Mas dor, não na conhecia ..."
Almeida Garrett (1799 - 1854)