Cabelos loiros, tez branca, olhos pequenos, voz calma e fria. A frieza do olhar, a imperturbável serenidade do anúncio: a Rússia vai atacar. O som cortante dos mísseis começa a ecoar nos céus da Ucrânia. Sabem qual o caminho, os danos colaterais (eufemismo mais do que perverso) são desprezíveis. São homens, mulheres, velhos, crianças… Seres para quem a vida acaba num bombardeamento sem que nada tivessem feito para merecê-lo. Impotentes para suster o monstro que tem uma única motivação: poder. Mostrar quem manda e a quem cabe aquele país, outrora parte integrante da URSS.
A guerra fria acabou em 1991, com a dissolução da União Soviética, a Ucrânia foi uma das 15 repúblicas a tornar-se independente. As razões para os bombardeamentos russos e a invasão da Ucrânia fica para os analistas, para mim que o não sou nem tenho pretensões a sê-lo a justificação é, repito, uma questão de poder. Poder cego em que nada mais conta do que dizer quem manda ali. E assim se mata. E assim mais uma vez se destrói um povo, um país, uma nação.
Diz-se que a Ucrânia, “o celeiro da Europa” pela fertilidade dos seus solos, começou a ser habitada há cerca de 4 mil anos, por lá nasceu a família das línguas indo-europeias, por lá cresceu uma cultura singular.
Nada que a sede de poder respeite. Nada que, armada até aos dentes, a Rússia não queira dominar. As consequências desta guerra, iniciada na passada semana, irão ser escritas. Para já há sangue nas ruas, vidas destruídas, cidades esventradas… Fugas e medo… Choro de quem sofre… Apelos e manifestações de ajuda…
Confortavelmente sentado, o homem frio e imperturbável dá as suas ordens. Os que morrem não passam de peões num tabuleiro de xadrez. O objectivo é só um: xeque-mate ao rei adversário. Tudo mais, nada vale.
Fala-se em duas centenas de ucranianos mortos. Diz-se que o ocidente não sabe lidar com Putin. Somos tão insignificantes e malévolos. Trememos de medo por um microscópico ser coroado que nos entra no corpo e sem qualquer pejo matamos quem como nós nasceu só porque queremos ser senhores do mundo. Putin não é o único ser diabólico, antes fosse. É só mais um que pela sua frieza se torna repugnante e odioso.
Quando a guerra acabar. Quando das ruas esburacadas nascerem corpos mutilados. Quando filhos sem pais esgravatarem no lixo à procura de comida. Quando nos passeios os velhos apodrecerem. Quando o cheiro fétido reinar nas fachadas bombardeadas… Virão os novos senhores até que nova sede de poder assole seres frios e imperturbáveis.
Até lá “Com o passar dos anos (a memória dos homens!) as pessoas foram se esquecendo do jovem soldado que não voltou. Casou-se a noiva com um primo. Os familiares voltaram-se para outros familiares. Os amigos, para outros amigos. Só o cachorro já velhíssimo (era jovem quando o jovem partiu) continuou a esperá-lo na sua esquina, com o focinho sempre voltado para aquela direção”.(Lygia Fagundes Telles)