Admito o que outros melhor definiram: em Portugal, o que parece, é.Parecer, bom, parece que acabou mesmo um ano e começou outro. É verdade que a noite de 31 foi sempre a despachar, rápido-rápido, tudo muito rápido, meio envergonhado, pãozinho sem sal, os canais gerais de TV a intercalar meio minuto de anémicos fogos-de-artifício que os minguados orçamentos municipais permitiam aqui e ali (fora a Madeira-sur-mer, é claro); entrevistas a correr e de máscara nos queixos, com chineses, brasileiros, eslovenos, finlandeses e turcos e demais lusitanos de melhor cepa, em pleno Terreiro do Paço e Avenida dos Aliados, a desvendar os múltiplos planos de felicidade para 2022, incluídos nos vouchers das agências de viagem. Tudo misturado com 5 a 6 minutos repetidos de publicidade: perfumes franceses de Giô; St Laurent, Óreale Carnelucci; desejos de apetites de “algo diferente” do bendito Ambrósio; as irresistíveis cabeças e bicos de galinha por depenar, com grande desconto, só a €2,99, sem esquecer a manteiga de pevides e tremoços a apenas €3,99 e as espinhas de cachucho, muito nutritivas e fresquinhas, prontas a serem empratadas em croquetes caramelizados, só €1,99.Tudo embrulhado num vai-vem-e-volta de carros, carros, carros, híbridos, semieléctricos, elétricos, espaço-shengados, GPS para medir tudo e mais alguma coisa, um mimo, meus senhores, um mimo! Quem é que precisa ainda das 12 passas (€3,99), subir numa cadeira, chinfrinar nas borbulhas de champanhe (só €7,99, direto da Bairrada) e ficar na secreta esperança de que se mude afinal alguma coisa? A verdade é que foi assim que se tentou descovidar réveillons e famílias, com a agravante de já se saber, antes da meia-noite, que segundo o evangelho de António Costa, as eleições iam ser muitíssimo mais importantes e vitais do que a rotineira e anémica defesa básica da própria saúde.
Ou seja, peregrinamos agora em 2022 ou ainda nos restos de 21? Não sei. Há um número que escarrapacha um calendário e confirma o que comanda o deslize da Terra à volta do Sol - mas no dia-a-dia de pisar escolhos, vírus informáticos e cacos de vidro; na, confusão geral no reino das baratas e políticas adjacentes, mudou mesmo? Ou é mais do mesmo, o que por si já é demais? Vamos a contas?
Sem repetir o que nos fizeram transpirar até à última gota, a ver, ler e ouvir, a inchar olhos e ouvidos - covids-ómicrons; ordens e contraordens de máscaras e distâncias; estatísticas de contagiados e internados; Orçamento de Estado pia abaixo por sábia inspiração do DE (Duo da Esquerda); risca daí o CDS, todo redondinho, em bolas de naftalina; e o PAN quase-quase; o DE com renovadas hipóteses de tirar senha para a fila do desemprego; chegou o tal do chega, preparadinho com martelos, alicates, pregos, alfinetes, vulcões e fagulhas, mas sem muitas ideias do que vai fazer, vê-se depois de almoço, tudo um ciganada mas nada, nada racista, nem pensar nisso! E claro, Hossana, Ave PS,stoliduros te salutant, ad majorem ephemeram rosae gloria, agora é polegar eufórico levantado na tribuna da laureada testa antonina, mas não se admirem se, com custos de vida mais altos, inflação, e gravames de impostos indiretos, novas cabritagens no Governo e habituais variações ao segundo, nos bastidores do nosso quintal, daqui a uns tempos de manga curta, o polegar se vire irritado e furioso para baixo, occidi! (mata!) como de costume: Será a hora tradicional de averrinar, bramar, criticar de braço dado com vinagre azedo, todos os atrasados mentais, vendidos, agiotas de voto (mas excluam a viagem à Senhora da Asneira dos pobres dos emigrantes) que deram de mão beijada, a bendita maioria, não se aguenta! Acalmem – somos assim, Todos eram por el-rei a 4 de Outubro de 1910, e a 5 foram só 30 ou 40 a terem a coragem de pegar em armas na Rotunda, rapidamente se apurou depois que eram no mínimo 500, para receber o subsídio das honras de “republicano”. Depois, não havia ninguém que não vibrasse com os golpes e contragolpes da 1.ª República, quando Gomes da Costa vem de Braga para Lisboa, em 28 de Maio de 1926, foi o delírio. E obviamente, se havia abundância de cravos para venda em 24 de Abril às portas de qualquer cemitério de Lisboa, mal se confirmou o 25, esgotaram, só sobraram os de plástico. Gostamos sempre de estar ao lado de quem vence.
Mas houve mais patuscadas 21 que continuam na ribalta - juízes a escalavrarem juízes; prazos processuais perdidos; a novela do foragido a passar férias gradeadas na África do Sul; um ex-juiz, discípulo cristalino de Kafka, a acusar o PR, Governo e AR de genocídio; o Ministério Público a acusar em 1001 páginas e que depois nem em duas prova; fora as flores esplendorosas da corrupção nossa de cada dia. Afinal, porque, ao que se sabe, o espírito santo de orelha nunca bebeu nem vai beber a saborosa cicuta socrática, muito menos se, no final, despe na praça pública, a túnica em farrapos das aparências. É tempo de alguma sabedoria popular (Famalicão): “Quem vai por ali acima/ é porque andou cá por baixo. / Subir e descer é velha sina: / quem panela tem, chora sempre por um tacho”.
Fecho de boca de cena – há dias em que só não atraso a madrugada, porque ainda não percebi se vale a pena pensar no que se passou, se realmente o ontem acabou. Uma coisa é certa – neste meu país, um dia, cá por dentro, custa muito a desligar.
PS. Tinha acabado esta cantiga de escárnio e pior maldizer, quando vejo que se confirma estar 91% de Portugal continental sem água. E, acima disto tudo, um talmúdico Rasputin (perdão, Vladimir Vladimirovitch Putin, será parente?) explodir pelo mundo, a nostalgia de império czarista soviético e lançar toda a Europa num caos onde ninguém está seguro (exceto o PCP, é claro). É a guerra, Se local ou geral, os dias vão ser frenéticos. E causa de insónias. Diz-se que “Cada um sabe onde lhe aperta o sapato”, mas quando a fábrica de sapatos mora em Moscovo, ser obrigado a calçá-lo, passa todas as marcas. Recordo o que se passou ao largo de Cuba, nos tempos de Kennedy e Khrushchev, um resvés de arrebentar uma guerra nuclear. Olhem, com esta tremenda embrulhada, até a covid parece ficar um tanto de lado: aplica-se a velha lei natural, trata-se sempre primeiro, onde mais dói.
E para os ucranianos que me leiam - Trimati! Protistoyati ou nich zavzhdi o nashi obiymy! (Aguentem! Resistam! Têm sempre aqui um abraço!).