Naqueles últimos anos de um reinado acinzentado, já Oliveira Martins apregoava a urgência de uma “Vida Nova” que agitasse aquele sistema político sensaborão e viciado. O rotativismo Progressista e Regenerador era algo que para aquela gente exigia outro rumo. D. Luís, o Rei, Homem bom mas desgastado e refém de um ciclo vicioso caduco, qual moeda de duas faces qualquer uma pior que a outra, agonizava no Paço da Ajuda, tocando violoncelo e traduzindo Shakespeare. Oliveira Martins, com pouco mais de quarenta anos, intelectualmente superior, sete filhos e milhares de páginas já publicadas, havia conseguido reunir um conjunto de mentes mais ou menos brilhantes, embora a brilhantina variasse em cada uma delas. Convencera-se que a “Vida Nova”, teria uma vida longa. Enganou-se. Foram apenas dois. Mas Martins não era homem para se ficar. E quando Ramalho Ortigão, viajante deslumbrado, lhe cita o excerto do livro “La vie à Paris” - “… les uns glorieux, les autres battus de la vie”, Martins pressente ter encontrado o nome certo para o grupo que desafiava o futuro: “Battus de la vie – Vencidos da Vida”. Sim, vencidos da “Vida Nova”, mas futuros vencedores de um país sem bolor. Iriam vingar-se tertuliando como ninguém. Egos vários, bigodes para todos os gostos, retorcidos e cofiados. Paletós e suspensórios. Coletes, gravatas e colarinhos. Mesa posta, Colares branco, Tavares Rico. Ou Braganza que, à época, era hotel que não desfazia.
Da velha nobreza, Ficalho, o Conde, Par do Reino e o decano do grupo, que dele diria D. Carlos: “…o Francisco é um daqueles portugueses que gosto de mostrar lá fora…” e o Conde de Sabugosa, já surdo, mas culto de não ouvir e de muito ler. Ainda da aristocracia, embora mais novos, o polémico e prometedor Lobo d’Ávila, o quase sempre charmoso Bernardo Pindela, futuro Conde de Arnoso e ainda Luís de Soveral – futuro Marquês e diplomata maior. Do mundo e das viagens, Carlos de Lima Mayer, de famílias importadas com as tropas de Junot, homem culto, das artes e dos salões e da medicina também. Das letras e da cultura, os bandarilheiros Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz que farpeavam a torto e direito, o místico poeta Junqueiro e o inevitável Oliveira Martins. E, por fim, António Cândido, parlamentar brilhante, a tal “Águia do Marão” tão alto diz-se voarem os dotes da sua oratória.
Em casa dos mais abastados, algures ali pela Lapa, no Tavares ou no Braganza, durante meia dúzia de anos (de 1887/8 a 1894) lá foram inventando argumentos vários para repastos bem regados. Falavam e bebericavam, comiam, zurziam e escreviam. Ramalho concluía “As Farpas”, Eça escrevia “Os Maias” e em Belém já se congeminava o futuro. D. Carlos e D. Amélia faziam pela vida enquanto lá longe, na Ajuda, o som do violoncelo já mal se fazia ouvir. Em Cascais, na Cidadela junto ao mar que tanto o inspirara, D. Luís suspirava para sempre.
Entretidos e convencidos que com o futuro Rei por perto a sua hora chegara, os Vencidos não perceberam que a vida não se resolvia apenas e só de faca e garfo. Seria preciso bem mais que isso. E quando a hora soou, só sobraram os de perto. Os outros, esses, calçaram as luvas, concertaram as jaquetas e, diplomaticamente, partiram. Ainda hoje deles se fala. De alguns. Nem todos. Às vezes.