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20 ABR 2022
OPINIÃO | "Falar Para Dentro", por Ricardo Rodrigues
Por Jornal Abarca

Há no mundo ocidental a ideia de que Moscovo tem uma forte proximidade ao PCP pelas razões históricas conhecidas. O cidadão mais distraído associa a postura do PCP no conflito que envolve a Rússia à Ucrânia a uma natural defesa do comunismo. Errado. Vladimir Putin não pertence ao Partido Comunista russo e, consequentemente, não é este partido quem lidera a Federação. Putin é membro do partido Rússia Unida que se caracteriza como conservador e valoriza a defesa dos valores tradicionais e da identidade soviética. Nas eleições de 2016 o Partido Comunista teve apenas 13,3% dos votos contra os 54,2% arrecadados por Vladimir Putin.

Como se explica, então, o papel que o PCP andou a fazer durante os dias iniciais do conflito? Só há uma coisa pior para o PCP do que não se identificar com Moscovo: é ter de se colocar do lado dos Estados Unidos da América. E foi isso que os membros do PCP não entenderam. Não perceberam que, neste caso, ser contra os Estados Unidos da América e, também, a União Europeia e a NATO era ficar ao lado de Vladimir Putin. Era ficar do lado errado da história. Aliando isso à ligação histórica do PCP a Moscovo, gerou-se na opinião pública a ideia errada de que esta Rússia é comunista e, por isso, o PCP tentava justificar a invasão. Tornaram-se embaraçosas as aparições de João Oliveira e João Ferreira a falar da aproximação da Ucrânia à NATO ou da nazificação do país, argumentos utilizados para a invasão por Putin, como se isso justificasse o que quer que fosse. Tentaram justificar a guerra como os mentecaptos justificavam violações porque “ela ia de mini-saia e pôs-se a jeito”.

Percebendo a armadilha em que tinham caído, apenas a 6 de Março, doze dias após o início da invasão, Jerónimo de Sousa tomou uma posição categórica e sem qualquer “mas”: “O PCP não apoia a guerra e tem um património inigualável na luta pela paz”. Pelo meio demarcou-se de Putin e atacou os EUA. Chegou tarde. Demorou doze dias a ver o que o mundo inteiro testemunhava. O PCP não soube ler o momento e ficou a falar para dentro. Mais ninguém, a não ser os membros do partido, se reconheceram na análise que o PCP fez ao conflito.

André Ventura, esse justiceiro com uma mão cheia de nada para dar ao mundo, falou pela primeira vez do conflito a 12 de Março, ou seja, ao décimo sétimo dia de guerra. E para dizer o quê? O Chega está “de braços abertos para receber aqueles que fogem da guerra”, mas cuidado com os “que chegam com telefones de alta gama a Portugal” porque “vêm procurar subsídios na Segurança Social”.

Ventura diz o que tem de dizer para não ser criticado, ou seja, que apoia os refugiados, mas depois volta ao discurso habitual de ódio para procurar os apoios populares que o têm feito crescer. Como se ter um telefone de alta gama fosse um crime. Como se alguém que vive na Ucrânia e tem um telefone de alta gama saísse do país com um plano maquiavélico de viver à custa de subsídios na outra ponta da Europa. Para estas pessoas, na visão de Ventura, a guerra se calhar até deu jeito. O que o líder do Chega também não soube entender, é que Portugal está solidário com as pessoas que chegam até nós e que este discurso de ódio não medra, excepto naqueles que já se reviam nele. Ventura já cresceu o que tinha de crescer com este tipo de discurso redutor e básico e, também ele, ficou a falar para dentro.

Por último, Vladimir Putin. Há dias li um texto que se intitulava “Já não há Nazis em Mariupol”. As desculpas criadas para esta guerra ultrapassam em efabulação a preparação da Guerra do Iraque em 2003. Os seus objectivos são perigosos e nada têm a ver com desnazificação da Ucrânia ou medo de uma invasão da NATO. É um homem só, a falar para pessoas que não conseguiram passar do dia 26 de Dezembro de 1991 quando a União Soviética ficou oficialmente dissolvida. Não tem saída, já não há retorno e tem um prazo de validade. Porque perder a Guerra já a perdeu, por mais cidades que arrase daqui em diante. Está a falar para dentro sem hipótese de saída airosa. Resta saber o que acontecerá até que seja retirado desta história. Porque pior do que um Homem que ganha uma guerra, é um Homem que sabe que a vai perder.

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