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20 JUN 2022
OPINIÃO | "O Feio e o Lindo", por Armando Fernandes
Por Jornal Abarca

O menino fazia três anos, cirandava pela casa fora, intrometi-me na sua animada tagarelice, como um dinossauro disse-lhe que era bonito. O rapazinho virou-se num ápice e ripostou: não sou bonito, sou um rapaz! A rápida resposta em voz cristalina e vibrante quanto é o som de jovial barítono e violino bem afinado surpreendeu-me e, mais curioso fiquei ao retrucar-lhe dizendo que então era feio. Nova réplica, curta, incisiva: sou Lindo!

Sim eu sei ser surpreendente a agilidade mental das crianças finas que nem um alho, no entanto, toda a constrição cognitiva evidenciada ultrapassa o cânone colectivo da creche que frequenta.

Será a veemência na distinção do lindo pra o sexo masculino e o bonito para o sexo feminino efeito das prolongadas visualizações de desenhos animados? Do vocabulário utilizado na nomeação de bonecas e bonecos? 

O inusitado e risonho toc-toc retiniu em forma de procura de racionalidade nas racionais respostas do moço (assim o chama a mãe) desligado dos saberes e teorias de investigadores do talante de Jean Piaget e João dos Santos, preferi auscultar anciãos como eu, recebendo inúmeros exemplos de semelhante teor o que me sossegou pois o gracioso gaiato não está fora da caixa do tempo, antes pelo contrário, acompanha a vertiginosa escalada não dos Himalaias mas sim do desenvolvimento intelectual das crianças bem inseridas no seio (mamou leite materno) familiar cujo apoio nunca lhe tem faltado além do substancioso elixir não vendido nas farmácias, mas prodigalizado pelas avós sempre que é possível.

Há anos em Bilbao e San Sebastian para lá das delicadezas culinárias, participei em seminários cujos temas foram a animação da leitura nas Bibliotecas Públicas. Sem surpresa as avós serviram de bom exemplo nas várias comunicações apresentadas como fundamentais para o êxito do pretendido. Um rapazinho escreveu uma redacção diz ser a cama da avó tão boa quanto é comer um bife com ovo estrelado e batatas fritas.

O feio no parecer do despachado garoto (termo corrente transmontano a designar menino) leva-me a concluir que o Menino desmancha-prazeres ao gritar o rei vai nu o fez horrorizado com o corpo peludo, fedorento, do monarca a retirar macacos do nariz enquanto passeava debaixo do pálio ante os súbditos basbaques e crédulos.

Agora, para nosso contentamento e felicidade os meninos (infelizmente nem todos) sabem a utilidade da escova de dentes, do lenço de assoar, da roupa interior, distinguem a funcionalidade do calçado, comem manejando destramente a faca e o garfo, evitam correr riscos ignorando a faca na categoria de palito prática ainda em uso por esse Mundo fora. É. O quadro de referências acima referenciadas é má fortuna de centenas de milhões de meninas e meninos, cuja desgraça principia ainda no ventre esquálido da mãe dada a miséria, a fome endémica, a inexistência de tudo. Mesmo de tudo. O feio, o horrendo em toda a acepção da palavra!

Os meninos argutos capazes de estabelecerem a diferença da dualidade bonito/lindo podem cantar os meninos à volta da fogueira nem fazem parte dos Os Putos de Altino do Tojal, sorte a deles, interessa isso sim, que cresçam são, sejam solidários, dignos de si próprios lembrando-se que «nem tudo quanto reluz é ouro».  

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