Recordo que a primeira vez que escutei a expressão “Doutoramento Honoris Causa”, senti uma curiosidade quanto àquele nome pomposo. Atendendo que à época não existia “Dr. Google”, nada como um bom dicionário velhinho de capa azul e letras douradas esbatidas da “Porto Editora” para esclarecer a minha ignorância. Ainda hoje, esse dicionário encontra-se à minha direita no escritório, sempre à mão de o manusear, pois é pequeno e o desgaste dos anos tornou-o tão maleável que a sua capa rija parece almofadada. Era o dicionário que sempre acompanhou o meu PAI.
Não querendo nem devendo entrar na origem latina da expressão - pois o “meu latim” durou um ano e foi “tirado a ferros”, recordei este episódio a propósito de na pretérita semana o Instituto Universitário Militar ter atribuído este título ao Professor Doutor Adriano Moreira e na mesma notícia ter conhecimento que este senhor completa no próximo mês um século de vida. E que vida! Ser respeitado por dois regimes antagónicos quase parece missão impossível. É como que uma espécie de “encontro e desencontro com a história”.
Correspondendo este título a um reconhecimento pela forma como alguém contribuiu de forma excepcional para o progresso da ciência, da técnica, das artes ou do bem estar social e cultural dos povos, obriga-nos, a uma reflexão sobre a leviandade – ou não? - com que esta prática tradicional com grande significado académico é atribuída, bem como, as condecorações das grandes “Ordens”.
A título meramente exemplicativo, dir-se-á, que Ramalho Eanes e Zeinal Bava foram agraciados com o título “Honoris Causa” pela mesma universidade. Uma bizarria, não? Desviando-nos para as comendas, outro exemplo: Berardo, Armando Vara, Zeinal Bava (este foi a todas) e Rui Nabeiro, pasme-se!
Mas como em Portugal quer na política nacional, quer na local, os erros não se questionam, logo não se penalizam decisões/deliberações, proceda-se à retirada de alguns títulos tal qual uso de borracha na escolinha e tudo termina em bem. Escavar as motivações, isso é que não.
Tudo isto a propósito de mais um título “Honoris Causa” a um senhor que ao longo da sua vida desbravou caminhos na sociologia, nas relações internacionais e, sobretudo, na ciência política. Reconhecê-lo não implica votar no seu partido, mas enaltecer quem criou pontes de entendimento e deixa como património, um conceito de liberdade exemplificado numa filha que milita num partido socialista.
No passado dia 30 de Abril assisti no Teatro D. Luís (paredes meias com aquela que foi a sede da Pide) a um ciclo de debates integrado nas comemorações do 25 de Abril com o tema “A História que vais continuar a escrever”. Foi interessante ver num dos painéis a troca de ideias entre Isabel Moreira e Francisco Mendes da Silva. Naquele dia pensei que aquela mulher teve que “beber” em casa o verdadeiro conceito de liberdade. Porque só se dá aquilo que se tem.