Foi no blogue Delito de Opinião (post de Pedro Correia, de 24/7/22) que encontrei a seguinte informação: Camões terá utilizado, em Os Lusíadas, 9160 palavras diferentes. Há um século, um português culto poderia conhecer cerca de 10 mil palavras. O léxico-padrão dos escritores actuais é metade disso e um português médio não domina mais de mil vocábulos. O autor da postagem conclui que a contínua compressão lexical empobrece o pensamento e torna-nos menos livres. A conclusão é verdadeira, mas não cobre as consequências que decorrem do empobrecimento vocabular que se assiste ao mesmo tempo que, paradoxalmente, sobe a escolaridade dos portugueses.
O filósofo John Searle chama a atenção, em Da Realidade Física à Realidade Humana, p. 240, para o seguinte facto: “O dinheiro, o governo, a propriedade e o casamento exigem todas a linguagem, mas a linguagem não exige qualquer uma delas”. Depois imagina duas situações. Na primeira, refere que se “um antropólogo volta da bacia amazónica e diz que estudou uma tribo que tem linguagem, mas que não tem dinheiro, propriedade privada ou governo, podemos aceitá-lo”. Essa aceitação não seria possível se ele afirmasse que esses seres humanos “têm sistemas bastantes elaborados de governo, de propriedade privada e dinheiro, mas não têm linguagem”. Uma afirmação absurda. Com isto, Searle demonstra que a linguagem é a instituição primária, da qual todas as outras dependem necessariamente.
No actual estado do mundo, parece haver uma correlação entre a afirmação dos populismos políticos e a compressão da linguagem dos cidadãos. Nas democracias liberais, tudo repousa na escolha feita pelos eleitores. Ora, se tanto as elites políticas como as pessoas comuns sofrem de uma linguagem pobre, então não será de admirar que os eleitores, perante os complexos problemas existentes, se deixem atrair pela linguagem estereotipada dos slogans edas frases feitas. A indigência da linguagem política significa, porém, muito mais que uma degradação estética do discurso.
A pobreza da linguagem política representa também uma corrupção das instituições democráticas. Estas assentam num complexo jogo de equilíbrios, o qual exige um apreciável domínio linguístico para ser entendido. Por exemplo, para se perceber coisas como a independências dos diversos poderes ou o facto de uma vitória eleitoral não dar aos vencedores todo o poder, mas antes um poder reduzido e vigiado. Quando se assiste a uma contínua erosão da linguagem, não podemos esperar senão que as instituições democráticas, que se fundam no discurso, se pervertam, abrindo o caminho que substituirá a palavra pela violência.