Gosto muito de jornalismo. Aliás, já aqui o afirmei várias vezes. Acompanho o que se vai escrevendo e quando estou em países que consigo ler a escrita local, faço questão de comprar os jornais em papel. Na semana passada em Espanha fui comprando o “El País” e guardei o periódico que contém um artigo que adorei sobre Patricia Highsmith e os seus “famosos” diários com um título de sua autoria “Estoy hechade dos apetitos: amor e pensamento”.
Fui, desde logo, absorvida, por um destes “apetitos”, tanto mais que na semana em que faleceram em Portugal três “vultos” portugueses zanguei-me com a comunicação social dominante (ainda me zango com esta malta, que tonta), protestei, discordei em conversas de café, enfim, crucifiquei o jornalismo que reina.
Ter apetite por pensamento é, deveras, desafiante.
O jornalismo actual mudou e tem uma relação ténue com o pensamento. Padronizou para dar resposta aos grupos económicos seus lucros e audiências, tendo como resultado uma informação massificada e repetitiva.
Na mesma semana ocorreram três mortes em Portugal representativas, igualmente, em três áreas distintas: Ana Luísa Amaral (5 Agosto), General Almeida Bruno e Fernando Chalana (10 de Agosto). Segui ordem cronológica pela data da morte e optei pelo General Almeida Bruno em primeiro, atendendo, quanto mais não seja, à idade. Ainda sou do tempo que se dá prioridade e cadeira aos mais velhos.
Não vou acrescentar nada que não se saiba sobre a grande poetisa Ana Luísa Amaral. A sua morte deslizou nos jornais e nas tvs, exceptuando a RTP 3 que passou, novamente, uma entrevista com a autora. O resto foram pouco mais que pés de página jornalísticos e rodapés televisivos.
Quanto ao General e ao futebolista nas tvs atingiu-se a bizarria. Enquanto que os canais passavam, simultaneamente, a vida e obra do futebolista, repetiam, repetiam, simultaneamente a vida e obra do futebolista, o momento bizarro foi atingido quando em rodapé passou a morte do General Almeida Bruno. No écran tínhamos Chalana e no rodapé em simultâneo “faleceu General Almeida Bruno”. As letrinhas corriam apressadamente e Chalana permanecia, permanecia, permanecia.
Nada contra a divulgação de Chalana como futebolista de excelência para acompanhar a linguagem da moda, mas tudo, mas tudo mesmo, contra a desigualdade no tratamento daqueles que dignificaram e dignificam o país nas áreas da literatura e política/militar.
A revista “Visão”, datada de 18 Agosto/22 ocupa as suas páginas 24 e 25 da seguinte forma: cantinho vertical na página 24, com a dimensão de um marcador de livros a letras minúsculas (10/11) “Morte”, Almeida Bruno”. Restante da página 24, título “Fernando Chalana, o pequeno grande génio”. A genialidade continua na página 25. Pasme-se! Cumpriu em grande a bizarria.
Como já tem lugar na história, dir-se-á, somente, por mera curiosidade, que o General Almeida além de participar no golpe militar de 25 Abril/74, já tinha participado no falhado golpe das Caldas e, por isso, a PIDE tentou assassiná-lo. E porque o mundo é dos poetas, deixo-vos com Ana Luísa Amaral que penso concordar com, pelo menos, um dos “apetitos” de Patricia Highysmith “Amar nunca é umavergonha. Amar é amar”.
